Wednesday, September 23, 2009

1a Avaliação Parcial

Queridos,

Como prometido, seguem as questões da primeira avaliação, sobre o tema das relações entre teorias da significação e teorias da existência. Como mencionei na aula de hoje, trata-se de uma questão mais ligada à compreensão das idéias do texto e outra que requisita a aplicação destas a um universo de fenômenos proposto para análise. Recomenda-se economia de recursos e ir direto ao assunto, o que os lógicpos chamam de elegância.

Mãos e cérebros à obra, então.

Ad,

Benjamim

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

Disciplina: Semiótica (COM 102)
Professor: Benjamim Picado
Horário: 2as e 4as, de 07 às 09:00
Local: Sala 04 (Facom/Ondina)

1ª AVALIAÇÃO PARCIAL
TEMA: DO QUE HÁ AO PROBLEMA DOS SIGNOS:
MATRIZES (ANTI)METAFÍSICAS DAS TEORIAS DA SIGNIFICAÇÃO

Questão no 1: Tendo em vista as diferentes argumentações dos textos de Umberto Eco, de W.v.O. Quine e de Nelson Goodman sobre a relação entre significação e existência, como vc. considera que se possa justificar as relações entre os problemas da metafísica e os da semiótica?

Questão no 2: Considere a seguinte imagem, da campanha presidencial de 1989:

Chico Ferreira – “Fernando Collor em Niterói” (1989), Folha Imagem

Tendo em vista que se trata de uma representação de um algo que houve, em algum momento no espaço, como vc. consideraria aquilo que faz desta imagem um signo do acontecimento? Em que aspectos a fotografia depende da ocorrência factual e, inversamente, em que termos se poderia admitir que sua significação decorre do mdo como a fotografia o exibe, em características que seriam próprias a seu funcionamento?

Literatura Obrigatória:
Eco, Umberto. “Sobre o ser”. In: Kant e o Ornitorrinco;
Goodman, Nelson. “Palavras, obras mundos”. In: Modos de Fazer Mundos;
Quine, W.v.O. “Sobre o que há”. In et al.: Existência e Linguagem

sapiens secum est

Sunday, September 20, 2009

As relações en tre "significar" e "existir"

Queridos,

Seguem abaixo as notas do primeiro tópico das aulas, sobre aspectos da relação entre o estudo dos signos e os problemas metafísicos (em suma, as relações entre "significar" e "existir"). Em seguida, explorarei algumas questões relativas às soluções que certas teorias semióticas propõem ao dilema destas relações entre "significar" e "existr", assim como proporei questões sobre o tópico, como itens da primeira avaliação da disciplina.

Divirtam-se,

Benjamim

Semiótica - COM 102 - Aula no 1

Do “que há” ao problema dos signos: a matriz anti-metafísica das teorias semióticas

1.1. Duas versões da implicação entre “significar” e “existir”

1. Nos textos que sugerimos para introduzir certos problemas de uma teoria semiótica geral, o que parece próprio a esta disciplina não se exprime tanto por aquilo que caracteriza seu objeto (grosso modo, o estudo dos signos e de seus modos próprios de funcionar), mas por toda uma ordem de pressupostos que caracterizam o que chamaremos doravante de fundo especulativo dessas teorias, um conjunto de assunções mais ou menos tácitas sobre a estrutura na qual o problema dos regimes da compreensão funciona ou, em outra formulação, a concepção de mundo na qual a questão da compreensão dos signos tem alguma pertinência.

2. Uma dessas assunções, e que constitui uma espécie de discurso velado de todas as escolas semióticas, concerne a uma interrogação sobre a natureza de determinação daquilo que existe ou, ainda mais radicalmente, sobre o que significa atribuir existência ao que quer que seja: na raiz de todo e qualquer saber sobre signos e interpretação, há uma suposição sobre o que significa dizer que de algo que ele “é”; grosso modo, é essa ordem de problemas que permeia os primeiros textos aqui sugeridos para leitura, e que pode ser resumida como uma pergunta sobre o ser (ou sobre “o que há”), e que fornece uma espécie de suposto metafísico de toda teoria da significação. Exatamente que problema é esse e como é que ele nutre as teorias semióticas que constituirá nosso assunto no dia de hoje.

3. Há certos discursos que apostam na relativa indiferença dos objetos do mundo em relação àaspectualidade mediante a qual nosso entendimento no-los dispõe: nesse ponto, a pergunta sobre nossa consciência da realidade se converte rapidamente numa pergunta sobre o status desses objetos, eles mesmos; é bom que se ressalte que este argumento que descevemos bem genericamente não se constitui, em absoluto, numa espécie de realismo naïf (que afirma que “as coisas são porque estão postas diante de nós, anteriores a nossa consciência”).

4. Uma certa concepção fenomenológica desta realidade (por exemplo, no existencialismo sartreano) propõe um valor radicalmente determinante de um puro existir, como condição mesma do conhecer, de tal modo que não conheceríamos algo que, em primeira instância não simplesmente houvesse (a diferença se põe, então, entre a ordem do haver e do ser, e a realidade é, neste sido, fenomenicamente anterior às atribuições do ser pelas estruturas da consciência e da predicação).

5. É evidente que, ao nos interrogarmos sobre os signos e sobre seu funcionamento, implicamos nessa pergunta uma assunção sobre a densidade do mundo, pois, na estrutura mesma do signo já está a embutida a idéia de que ele se “reporta a algo”: assim sendo signo, ele se relaciona com alguma coisa que não é ele mesmo e que deve, portanto, ser inquirida em seu próprio status ontológico, isto é, na sua condição mesma de ser, de coisa existente. Entretanto, este é um problema do qual trataremos com vagar somente mais adiante, quando nos reportarmos ao valor que o conceito de significado tem para as teorias semióticas, em geral: assim sendo, os problemas de uma teoria semântica possuem um sentido próprio para as teorias da significação, pois suscitam a questão sobre o que é mesmo que deve existir para que um signo lhe possa fazer menção.

6. Por outro lado, a pergunta sobre “o que há” não concerne apenas àquilo que supomos que pré-exista aos signos e aos modos como nos valemos deles pra endereçarmo-nos a qualquer coisa: antes mesmo de falarmos de significados, como entidades reclamadas como destinatários de cada signo (e do modo como as teorias semióticas os tornam pertinentes), há um sentido mais radical no qual implicamos a ação dos signos e a existência; esse outro modo de pensar é sobretudo ilustrado pelo argumento de Nelson Goodman sobre a “construção de mundos”, e pelo modo como nele se exprime uma maneira de pensar o ser que já depende essencialmente dos processos de simbolização.

  • Goodman, “Palavras, obras, mundos”: p. 37,38.

7. Dois aspectos da tese sobre mundos construídos: em primeiro lugar, se o que chamamos de “mundo”, “ser” ou “existência” é, de algum modo, uma decorrência do modo como fazemos simbolicamente realidades, isto tudo tem implicações graves, ao menos no que respeita os critérios sobre os quais definimos a realidade, ela mesma: em primeiro lugar, o que é existente não antecederia nossos modos de expressão, pois seria, em grande medida, uma decorrência deles (assim, nossa linguagem não se reportaa um mundo pré-existente ou dado aos sentidos, mas o constrói, mais propriamente, através dos esquemas socialmente partilhados, subjacentes a toda experiência sensorial e cognitiva).

8. As teorias da ideologia, famosas e potentes nos dois séculos que nos antecederam (com resíduos que ainda se manifestam em certas teorias sociais contemporâneas) constituem uma instância privilegiada dessa concepção sobre a realidade, com seu modo de fazer reportar a densidade do vivido como um “efeito de superfície” de forças que operam num sistema de valores, normalmente conduzidos a partir de interesses de classe ou de outra qualquer ordem; um grande bocado das escolas semiológicas dos anos 60 do ultimo século proliferaram na base desse tipo de pressuposto sobre o fundamento socialmente construído dos esquemas de significação de base de nossa experiência simbólica (sendo o caso mais patente o da noção de simulação e seus fundamentos semiológicos, no pensamento de Jean Baudrillard).

9. O problema mais patente dessas concepções é que sua suposta crítica a uma “ontologia do social” é apenas falsamente anti-metafísica: teorias desta natureza são sustentadas pela idéia (de inspiração platônica) de que a mediação dos valores sociais é o efeito de uma estratégia derrogatória e ilusionista, e de que é tarefa do discurso filosófico desmascarar uma tal engenharia dos discursos sociais. Um dos exemplos mais candentes dessa visão das coisas encontra-se em certos exemplares do cinema americano, o que chega a ser quase um paroxismo, já que a idéia de uma “indústria da cultura” ou ainda a noção de “simulacro” (só para ficarmos em exemplos de duas distantas escolas do pensamento sociológico do último século) são dois dísticos dos mais poderosos desse mesmo discurso teórico.

  • The Matrix, Larry e Andy Warchoswsky (1999)

10. Segundo aspecto da tese sobre mundos construídos: se admitirmos, de um lado, que a realidade é uma construção simbólica, disto decorrerá que a feitura do mundo não se dá de maneira uniforme, mas justamente plural. De tal modo é assim que, ao admitirmos que não há uma realidade anterior à linguagem na qual a exprimimos ou representamos, temos que reconhecer que nenhuma manifestação desse discurso sobre a realidade dará conta dela de modo mais exaustivo do que outras de suas alternativas ou “versões de mundos”; é com esse espírito que Nelson Goodman apresenta sua tese de que o mundo não é apenas artificial (isto é, relativo aos modos como nos habilitamos a construí-lo, em formas de discursos), mas o fato de que ela é tão variável quanto os sistemas de expressão e de significação que adotarmos para falarmos dela (a ciência, a moral, as artes, dentre tantas outras).

11. Em um famoso texto de Willard van Orman Quine sobre o problema ontológico (apelido pelo qual os filósofos chamam secretamente a “questão sobre o ser”), ele se pergunta sobre a eficácia da resposta que damos à questão sobre “o que há”: quando dizemos que o que há é simplesmente “tudo”, apenas desviamos o foco da questão para a confirmação de que aquilo de que falamos deveria “haver”, de algum modo, mas com pouco esclarecimento sobre o significado desse compromisso entre afirmar uma existência e concretizá-la, de alguma maneira, no discurso. A importância das questões de ontologia para as teorias semióticas decorre precisamente do fato de que, em muitos casos, o que se exprime numa teoria da significação é a dependência entre o chamamos de “mundo”, “realidade”, “existência”, “ser”, de um lado, e a ordem do discurso, de outro. Tudo isso parece, uma vez mais, comprometer a teoria da significação com uma idéia de transcendência dessa mediação simbólica em relação a fisicalidade do mundo.

12. Em suma, vimos que, ao nos interrogarmos sobre o fundo ontológico de toda teoria da significação, encontramos um discurso que se reporta às teses metafisicas, identificando-as sob dois aspectos principais: ou a realidade é aquilo que o próprio signo define como sendo uma instância de sua compreensão, o que será assunto de uma teoria semântica; ou então, o compromisso ontológico não se estabelece na relação puramente dual da significação (na reportagem entre linguagem e mundo, como instâncias ontologicamente independentes), mas no fato de que o próprio signo é constituído, em sua estrutura mesma, com capaz de instaurar, por suas próprias forces, uma realidade, desde que devidamente assimilado aos vários possíveis sistemas de referências ao qual poderá pertencer.

Referências Bibliográficas:

Goodman, Nelson. “Palavras, obras, mundos”. In: Modos de Fazer Mundos;

Quine, W.V.O. “Sobre o que há”. In et al.: Existência e Linguagem: ensaios de Metafísica Analítica;

Próximas Leituras:

Eco, Umberto. “Sobre o ser”. In: Eco e o Ornitorrinco;


Tuesday, September 01, 2009

Quine falando sobre o que há

Queridos,

Como prometido, faço seguir aqui a primeira parte da entrevista de Quine a Bryan Magee, num longínquo dia qualquer dos anos 70 (é o que se depreende das vestimentas e do estilo do programa), na prestigosa BBC, e na qual Quine discorre sobre alguns problemas fundamentais da história da filosofia, e de como ele mesmo encara o modo como sua obra se endereça a algumas destas questões. Em primeiro lugar, as imagens do programa:


Em seguida, os pontos da exposição de Quine que nos interessam, na discussão sobre como se relacionam a significação e a existência: explorarei estes pontos, discriminando-os, passo a passo.

1. Em primeiro lugar, apresentando Quine como um dos grandes filósofos vivos do século XX (ao lado de Popper, Sartre e Chomsky, entre outros), Magee destaca o modo como certos problemas fundamentais da filosofia permanecem presentes na obra de um autor que desenvolveu (ao menos nas primeiras etapas de sua carreira) um estilo de tratamento para estas questões que pareceria excessivamente técnico, na perpsectiva de um leigo em assuntos filosóficos. Nestes termos, seria um privilégio, diz o entrevistador, poder interrogar a um eminente pensador nesta área, sobre como é que as questões básicas da filosofia se manifestam, mesmo a um pensador aparentemente tão hermético como Quine.

2. Perguntando sobre as tarefas centrais da filosofia, Quine então responde dizendo que ela é concernida como uma reflexão sobre a natureza das coisas ou, tomando uma expressão de Newton, com o "sistema do mundo": nestes termos, reconhece quem suponha com isto que a filosofia tenha um papel de orientar a atividade científica, crença esta que Quine considera um "sonho vazio"; ao invés de orientar o trabalho da ciência na resolução de seus problemas, a filosofia é contínua com este campo, recolhendo muitas de suas questões do modo como a ciência opera, sem contudo se reduzir a seus termos nem tampouco servir para ela de base ou fundamento.

3. Isto posto, resta saber quais são, efetivamente falando, as diferenças entre ciência e filosofia: para Quine, a resposta é a de que a ciência é um continuum, que se desenvolve, desde os setores mais conectados com a especificidade do mundo (a física, a engenharia, a medicina, a história, a geografia), até aqueles em que esta relação com a realidade vai se tornando cada vez mais abstrata e menos específica (como a filosofia e a matemática). Nestes termos, a filosofia e a ciência se distingüem na generalidade que própria à primeira e não à segunda.

4. Desta admissão é que decorrem os exemplos de Quine sobre o modo como a física assume de antemão o conceito de causa e seu compromisso existencial prévio, ao passo que o filósofo se pergunta precisamente sobre as condições que o conceito deve preencher, de modo a que se possa dizer de qual quer coisa ou relação que nelas opera algo chamado de causalidade (ou de relação consequencial). De tal maneira a diferença entre o físico e o filósofo se instala que Quine reitera que a filosofia se define pela abstração e generalidade com a qual trata problemas que a ciência explora na especificidade de sua manifestação (pensemos, apenas como ilustração sobre a diferença de abordagens entre ciência e filosofia, sobre que tipo de médico clinicaria, por exemplo, colocando em dúvida a metafísica do conceito de ser vivo, diante de um caso de um paciente em particular).

5. Destacando que a análise de questões sobre, por exemplo, "como a vida tem origem" ou "quando o universo começou" são problemas característicos de certos ramos da ciência, Quine manifesta assentimento com a sugestão de Magee de que a filosofia tem por tarefa examinar os conceitos fundamentais dos ramos nos quais se define a atividade humana: é nestes termos que Magge fala de uma investigação sobre o "tecido conectivo do pensamento", o substrato sobre o qual é possível pensar que a causa é uma relação entre coisas ou eventos, que a vida é um fenômeno definível através do reconhecimento de certas características do mundo, e que a identidade entre partes do mundo é um critério pelo qual definimos que alguma coisa, mui simplesmente, "é".

6. E aqui começamos a chegar no ponto pelo qual a fala de Quine ilustra o ponto em que nos debatemos neste início de curso: perguntado por Magee se as questões filosóficas poderiam ser resumidas, de alguma maneira, Quine agrupa estes problemas em duas vertentes principais, a saber, as questões ontológicas ("o que há", "o que é existir") e as questões epistemológicas ("o que podemos saber sobre o que há", "o que se pode dizer com sentido"). Necessário é destacar o quanto as questões epistemológicas requisitam uma considerável clarificação das questões metafíficas, em suma: o quanto as perguntas sobre o sentido dependem de uma absoluta nitidez com a qual estabelecemos a resposta aos problemas sobre a existência.

7. Daí em diante, Quine e Magee entram em questões mais detalhadas sobre como se pode formular a questão sobre o que há: em primeiro lugar, Quine reitera sua posição enquanto materialista, em termos ontológicos (ou seja, o que há é algo que antecede e, até mesmo excede aquilo que pensamos sobre a realidade), de modo a distinguir sua posição daquela que caracteriza o convencionalismo ou o idealismo (para a qual a realidade é integralmente um produto mental). O que Quine introduz ao debate é a necessidade de pensar os "tipos de objetos" sobre os quais falamos e os critérios de existência que lhe são próprios ou comuns (objetos físicos e objetos abstratos precisam ser analisados, no que respeita os modos de dizer que são alguma coisa). Isto posto, a exploração destes detalhes do argumento de Quine não nos interessam neste momento, razão pela qual deixarei de comentar estes aspectos.

Ad,

Benjamim