Sunday, September 20, 2009

As relações en tre "significar" e "existir"

Queridos,

Seguem abaixo as notas do primeiro tópico das aulas, sobre aspectos da relação entre o estudo dos signos e os problemas metafísicos (em suma, as relações entre "significar" e "existir"). Em seguida, explorarei algumas questões relativas às soluções que certas teorias semióticas propõem ao dilema destas relações entre "significar" e "existr", assim como proporei questões sobre o tópico, como itens da primeira avaliação da disciplina.

Divirtam-se,

Benjamim

Semiótica - COM 102 - Aula no 1

Do “que há” ao problema dos signos: a matriz anti-metafísica das teorias semióticas

1.1. Duas versões da implicação entre “significar” e “existir”

1. Nos textos que sugerimos para introduzir certos problemas de uma teoria semiótica geral, o que parece próprio a esta disciplina não se exprime tanto por aquilo que caracteriza seu objeto (grosso modo, o estudo dos signos e de seus modos próprios de funcionar), mas por toda uma ordem de pressupostos que caracterizam o que chamaremos doravante de fundo especulativo dessas teorias, um conjunto de assunções mais ou menos tácitas sobre a estrutura na qual o problema dos regimes da compreensão funciona ou, em outra formulação, a concepção de mundo na qual a questão da compreensão dos signos tem alguma pertinência.

2. Uma dessas assunções, e que constitui uma espécie de discurso velado de todas as escolas semióticas, concerne a uma interrogação sobre a natureza de determinação daquilo que existe ou, ainda mais radicalmente, sobre o que significa atribuir existência ao que quer que seja: na raiz de todo e qualquer saber sobre signos e interpretação, há uma suposição sobre o que significa dizer que de algo que ele “é”; grosso modo, é essa ordem de problemas que permeia os primeiros textos aqui sugeridos para leitura, e que pode ser resumida como uma pergunta sobre o ser (ou sobre “o que há”), e que fornece uma espécie de suposto metafísico de toda teoria da significação. Exatamente que problema é esse e como é que ele nutre as teorias semióticas que constituirá nosso assunto no dia de hoje.

3. Há certos discursos que apostam na relativa indiferença dos objetos do mundo em relação àaspectualidade mediante a qual nosso entendimento no-los dispõe: nesse ponto, a pergunta sobre nossa consciência da realidade se converte rapidamente numa pergunta sobre o status desses objetos, eles mesmos; é bom que se ressalte que este argumento que descevemos bem genericamente não se constitui, em absoluto, numa espécie de realismo naïf (que afirma que “as coisas são porque estão postas diante de nós, anteriores a nossa consciência”).

4. Uma certa concepção fenomenológica desta realidade (por exemplo, no existencialismo sartreano) propõe um valor radicalmente determinante de um puro existir, como condição mesma do conhecer, de tal modo que não conheceríamos algo que, em primeira instância não simplesmente houvesse (a diferença se põe, então, entre a ordem do haver e do ser, e a realidade é, neste sido, fenomenicamente anterior às atribuições do ser pelas estruturas da consciência e da predicação).

5. É evidente que, ao nos interrogarmos sobre os signos e sobre seu funcionamento, implicamos nessa pergunta uma assunção sobre a densidade do mundo, pois, na estrutura mesma do signo já está a embutida a idéia de que ele se “reporta a algo”: assim sendo signo, ele se relaciona com alguma coisa que não é ele mesmo e que deve, portanto, ser inquirida em seu próprio status ontológico, isto é, na sua condição mesma de ser, de coisa existente. Entretanto, este é um problema do qual trataremos com vagar somente mais adiante, quando nos reportarmos ao valor que o conceito de significado tem para as teorias semióticas, em geral: assim sendo, os problemas de uma teoria semântica possuem um sentido próprio para as teorias da significação, pois suscitam a questão sobre o que é mesmo que deve existir para que um signo lhe possa fazer menção.

6. Por outro lado, a pergunta sobre “o que há” não concerne apenas àquilo que supomos que pré-exista aos signos e aos modos como nos valemos deles pra endereçarmo-nos a qualquer coisa: antes mesmo de falarmos de significados, como entidades reclamadas como destinatários de cada signo (e do modo como as teorias semióticas os tornam pertinentes), há um sentido mais radical no qual implicamos a ação dos signos e a existência; esse outro modo de pensar é sobretudo ilustrado pelo argumento de Nelson Goodman sobre a “construção de mundos”, e pelo modo como nele se exprime uma maneira de pensar o ser que já depende essencialmente dos processos de simbolização.

  • Goodman, “Palavras, obras, mundos”: p. 37,38.

7. Dois aspectos da tese sobre mundos construídos: em primeiro lugar, se o que chamamos de “mundo”, “ser” ou “existência” é, de algum modo, uma decorrência do modo como fazemos simbolicamente realidades, isto tudo tem implicações graves, ao menos no que respeita os critérios sobre os quais definimos a realidade, ela mesma: em primeiro lugar, o que é existente não antecederia nossos modos de expressão, pois seria, em grande medida, uma decorrência deles (assim, nossa linguagem não se reportaa um mundo pré-existente ou dado aos sentidos, mas o constrói, mais propriamente, através dos esquemas socialmente partilhados, subjacentes a toda experiência sensorial e cognitiva).

8. As teorias da ideologia, famosas e potentes nos dois séculos que nos antecederam (com resíduos que ainda se manifestam em certas teorias sociais contemporâneas) constituem uma instância privilegiada dessa concepção sobre a realidade, com seu modo de fazer reportar a densidade do vivido como um “efeito de superfície” de forças que operam num sistema de valores, normalmente conduzidos a partir de interesses de classe ou de outra qualquer ordem; um grande bocado das escolas semiológicas dos anos 60 do ultimo século proliferaram na base desse tipo de pressuposto sobre o fundamento socialmente construído dos esquemas de significação de base de nossa experiência simbólica (sendo o caso mais patente o da noção de simulação e seus fundamentos semiológicos, no pensamento de Jean Baudrillard).

9. O problema mais patente dessas concepções é que sua suposta crítica a uma “ontologia do social” é apenas falsamente anti-metafísica: teorias desta natureza são sustentadas pela idéia (de inspiração platônica) de que a mediação dos valores sociais é o efeito de uma estratégia derrogatória e ilusionista, e de que é tarefa do discurso filosófico desmascarar uma tal engenharia dos discursos sociais. Um dos exemplos mais candentes dessa visão das coisas encontra-se em certos exemplares do cinema americano, o que chega a ser quase um paroxismo, já que a idéia de uma “indústria da cultura” ou ainda a noção de “simulacro” (só para ficarmos em exemplos de duas distantas escolas do pensamento sociológico do último século) são dois dísticos dos mais poderosos desse mesmo discurso teórico.

  • The Matrix, Larry e Andy Warchoswsky (1999)

10. Segundo aspecto da tese sobre mundos construídos: se admitirmos, de um lado, que a realidade é uma construção simbólica, disto decorrerá que a feitura do mundo não se dá de maneira uniforme, mas justamente plural. De tal modo é assim que, ao admitirmos que não há uma realidade anterior à linguagem na qual a exprimimos ou representamos, temos que reconhecer que nenhuma manifestação desse discurso sobre a realidade dará conta dela de modo mais exaustivo do que outras de suas alternativas ou “versões de mundos”; é com esse espírito que Nelson Goodman apresenta sua tese de que o mundo não é apenas artificial (isto é, relativo aos modos como nos habilitamos a construí-lo, em formas de discursos), mas o fato de que ela é tão variável quanto os sistemas de expressão e de significação que adotarmos para falarmos dela (a ciência, a moral, as artes, dentre tantas outras).

11. Em um famoso texto de Willard van Orman Quine sobre o problema ontológico (apelido pelo qual os filósofos chamam secretamente a “questão sobre o ser”), ele se pergunta sobre a eficácia da resposta que damos à questão sobre “o que há”: quando dizemos que o que há é simplesmente “tudo”, apenas desviamos o foco da questão para a confirmação de que aquilo de que falamos deveria “haver”, de algum modo, mas com pouco esclarecimento sobre o significado desse compromisso entre afirmar uma existência e concretizá-la, de alguma maneira, no discurso. A importância das questões de ontologia para as teorias semióticas decorre precisamente do fato de que, em muitos casos, o que se exprime numa teoria da significação é a dependência entre o chamamos de “mundo”, “realidade”, “existência”, “ser”, de um lado, e a ordem do discurso, de outro. Tudo isso parece, uma vez mais, comprometer a teoria da significação com uma idéia de transcendência dessa mediação simbólica em relação a fisicalidade do mundo.

12. Em suma, vimos que, ao nos interrogarmos sobre o fundo ontológico de toda teoria da significação, encontramos um discurso que se reporta às teses metafisicas, identificando-as sob dois aspectos principais: ou a realidade é aquilo que o próprio signo define como sendo uma instância de sua compreensão, o que será assunto de uma teoria semântica; ou então, o compromisso ontológico não se estabelece na relação puramente dual da significação (na reportagem entre linguagem e mundo, como instâncias ontologicamente independentes), mas no fato de que o próprio signo é constituído, em sua estrutura mesma, com capaz de instaurar, por suas próprias forces, uma realidade, desde que devidamente assimilado aos vários possíveis sistemas de referências ao qual poderá pertencer.

Referências Bibliográficas:

Goodman, Nelson. “Palavras, obras, mundos”. In: Modos de Fazer Mundos;

Quine, W.V.O. “Sobre o que há”. In et al.: Existência e Linguagem: ensaios de Metafísica Analítica;

Próximas Leituras:

Eco, Umberto. “Sobre o ser”. In: Eco e o Ornitorrinco;


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