Monday, November 30, 2009

Avaliação Global

Queridos,

Seguem abaixo as questões referentes a avaliação global. A questão de resposta obrigatória está destacada, em negrito (de todo modo, se a visualização não for suficiente, destaco que se trata da questão de número 3). As respostas me devem ser entregues, sem tardar, na próxima segunda-feira, dia 07/12.

Ad,

Benjamim


UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

Disciplina: Semiótica (COM 102)

Professor: Benjamim Picado

Horário: 2as e 4as, de 07 às 09:00

Local: Sala 04 (Facom/Ondina)

AVALIAÇÃO GLOBAL

1. Tendo em vista as diferentes argumentações dos textos de Umberto Eco, de W.v.O. Quine e de Nelson Goodman sobre a relação entre significação e existência, como vc. considera que se possa justificar as relações entre os problemas da metafísica e os da semiótica?


2. Considere a seguinte imagem, da campanha presidencial de 1989 (Chico Ferreira, “Fernando Collor em Niterói”, 1989, Folha Imagens):

Tendo em vista que se trata de uma representação de um algo que houve, em algum momento no espaço, como vc. consideraria aquilo que faz desta imagem um signo do acontecimento? Em que aspectos a fotografia depende da ocorrência factual e, inversamente, em que termos se poderia admitir que sua significação decorre do mdo como a fotografia o exibe, em características que seriam próprias a seu funcionamento?

3. Discorra breve mas suficientemente sobre as relações entre o estudo dos signos e o universo dos fenômenos culturais, procurando articular em sua argumentação as leituras dos textos de Umberto Eco, Iuri Lotman e Julia Kristeva.

4. Considere a seguinte matéria, publicada na revista Época, em 04 de junho de 2007:




Tendo em vista o assunto da reportagem em questão, como vc. avaliaria a questão da manifestação das emoções, no universo animal, à luz das teses manifestas nos textos de base da unidade, especialmente tendo em conta a concepção antropológica da cultura, visada pelos estudos semióticos?

5. Considerando as seis modalidades pelas quais Umberto Eco reconhece o emprego usual da noção de signo, em “Signo e Inferência”, como vc. os classificaria, tendo como parâmetro de distribuição os modos inferenciais e textuais da compreensão sígnica, assim como seus respectivos princípios da “dependência” e do “sistema”?

6. Considere a seguinte página, extraída de uma reportagem publicada na revista Claudia, de outubro de 2005:

Considerando as modalidades elementares da compreensão (inferencia e entendimento textual), assim como seus correlativos princípios de funcionamento (dependência e sistema), procure discriminar nesta imagem os elementos de cada um desses aspectos de sua significação global.

7. Considere a seguinte peça publicitária do produto Ekos, da Natura:



Considerando a composição entre os segmentos visuais (objetos, formas, côres) e linguísticos (sentenças, nomes próprios) que compõem este anúncio, procure analisar a peça em questão, levando em conta aqueles seus componentes que mais nitidamente se relacionam com os conceitos de signo em Peirce e Saussure, assim como com os princípios que guiam a compreensão do anúncio, seja como decorrentes das convenções e códigos culturais e linguísticos ou ainda derivados dos hábitos inferenciais e dos pressupostos sobre matérias de fato.

Referências Bibliográficas:

Barthes, Roland. "Significado/significante". In: Elementos de Semiologia;

Eco, Umberto. “Introdução: rumo a uma lógica da cultura”. In: Tratado Geral de Semiótica;

Eco, Umberto. “Sobre o ser”. In: Kant e o Ornitorrinco;

Eco, Umberto. "Signo e inferência". In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;

Goodman, Nelson. “Palavras, obras mundos”. In: Modos de Fazer Mundos;

Kristeva, Julia. “A Semiótica”. In: História da Linguagem;

Lotman, Iuri. “Sobre o problema da tipologia da cultura”. In: Semiótica Russa;

Peirce, Charles S. "Algumas consequências de quatro incapacidades". In: Semiótica;

Quine, W.v.O. “Sobre o que há”. In et al.: Existência e Linguagem;

Saussure, Ferdinand de. "Princípios gerais". In: Curso de Linguística Geral;

Volli, Ugo. “Interpretação”. In: Manual de Semiótica.

Friday, November 27, 2009

Comentários/3a Avaliação Parcial

Queridos,

Como prometido, faço seguir a todos algumas observações do que percebi, de modo geral, como aspectos problemáticos nos tratamentos das questões da 3a avaliação parcial da disciplina. No que respeita oi desempenho global, considero que houve uma relativa evolução nos modos de se encarar as questões, especialmente no que respeitou as questões mais teóricas dos textos.

O que permaneceu entretanto travando consideravelmente um melhor desempenho foi a tendência a se fazer as modalidades e princípios da compreensão corresponderem, ponto a ponto, a cada uma das espécies de remissão ao conceito de signo, elencados por Eco, logo no início de "Signo e inferência". Se se prestar alguma atenção maior a algumas daquelas modalidades (penso especialmente nos emblemas e diagramas, mas haverá decerto outros casos), será necessário alguma sutileza no modo de fazê-las corresponder às inferências ou às modalidades de compreensão textual.

De uma maneira geral, senti que o tratamento desta questão em especial privilegiou uma espécie de "jogo de correspondências" (daquele tipo comum em questões de duas colunas de itens. Aspecto este que destaquei em minhas sugestões prévias para o tratamento da questão, mas que parece ter passado desapercebido de muitos daquelas cujas provas pude corrigir.

No que respeita a questão mais afeita à análise de um material empírico, mais uma vez notei que o tratamento das respostas (mais uma vez, nas provas corrigidas) primou por duas atitudes fundamentais: ora se desconsiderava o marco teórico do exercício analítico (a saber, as maneiras de relacionar conhecimento inferencial e entendimento textual), leitura que manifestava-se como impressionista, ou então se partia para uma correlação puramente mecânica entre os dois níveis (o teórico e o analítico). Mais uma vez, a sutileza de tratamento era requisitada e muitas vezes faltou às respostas.

Ad,

Benjamim

Wednesday, November 25, 2009

4a Avaliação Parcial

Queridos,

Segue abaixo a questão referente a 4a avaliação parcial, versando sobre a última unidade da exposição do curso, sobre os conceitos de signo, em Peirce e Saussure. As respostas devem chegar a mim na próxima quarta-feira, dia 02/12, durante a aula, até às 09:00.

Ad,

Benjamim

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

Disciplina: Semiótica (COM 102)
Professor: Benjamim Picado
Horário: 2as e 4as, de 07 às 09:00
Local: Sala 04 (Facom/Ondina)

4a AVALIAÇÃO PARCIAL

1. Considere a seguinte peça publicitária do produto Ekos, da Natura



Considerando a composição entre os segmentos visuais (objetos, formas, côres) e linguísticos (sentenças, nomes próprios) que compõem este anúncio, procure analisar a peça em questão, levando em conta aqueles seus componentes que mais nitidamente se relacionam com os conceitos de signo em Peirce e Saussure, assim como com os princípios que guiam a compreensão do anúncio, seja como decorrentes das convenções e códigos culturais e linguísticos ou ainda derivados dos hábitos inferenciais e dos pressupostos sobre matérias de fato.

Referências Bibliográficas:
Barthes, Roland. "Significado/significante". In: Elementos de Semiologia;
Eco, Umberto. "Signo e inferência". In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;
Peirce, Charles S. "Algumas consequências de quatro incapacidades". In: Semiótica;
Saussure, Ferdinand de. "Princípios gerais". In: Curso de Linguística Geral.

alea jacta est

Convencionalidade e Linearidade do Signo Linguístico

Semiótica - COM 102

4. Conceitos Centrais de Semiótica: Signo

4.3. Arbitrariedade e Linearidade: os princípios do signo linguístico (Saussure)

1. Vimos, no percurso expositivo de Eco, que há uma longa linhagem histórica (de aproximadamente sete séculos) na qual o termo “signo” virá a ser assimilado à ordem de problemas que definem o regime da compreensão que caracteriza nossa relação com textos, palavras e enunciados: na tradição que vai dos gregos aos estóicos, em primeiro lugar, sabemos que a questão do signo tem correlação com a estruturação discursiva do pensamento, mas sobretudo no sentido em que estas decorram de condições de verdade; é bom que nos recordemos que o caráter sígnico do pensamento põe em remetimento recíproco fatos que conhecemos e exprimimos numa forma proposicional; esta expressão do pensamento numa forma enunciativa não determina o caráter de veridição que é intrínseco à concepção de signo na Antiguidade. Deste modo, as palavras foram sistematicamente excluídas da reflexão semiótica, nesta sua primeira dentição.

2. Pois bem, esta outra ordem de concepções na qual o signo aparece comprometido com as estruturas da compreensão textual, é precisamente aquela na qual o interesse pelas teorias semióticas emergiu, pela primeira vez, como um traço característico de sua inclusão ao universo de problemas das ciências humanas e sociais (e, muito especialmente, no campo de estudos da comunicação). Ela não é, evidentemente originária deste mesmo contexto, pois suas raízes se identificam, como vemos no texto de Eco, dezesseis séculos antes de Saussure, com o modo no qual Agostinho, por exemplo, assimila à caracterização da implicação sígnica o outro modo de remetimento que define a correspondência entre palavras e seus conteúdos (portanto, com o modo como a definição de signo não tem em conta apenas as relações de implicação causal ou natural, própria aos indícios, mas também as de correspondência arbirtária, que se exprimem como palavras).

3. Pois é precisamente, esta ordem das concepções sobre o signo semiológico (culminando na perspectiva barhesiana) que pretendemos averiguar, por ora. Esta ordem de problemas nos remete agora às relações entre signos e linguagens, e às concepções (ou escolas semióticas) que procuram pensar os signos enquanto instâncias (ou veículos) próprios à formação de enunciados ou de sentenças dotadas de um valor de significação intencional (de um “querer dizer”). A compreensão dos enunciados (uma vez tomados na condição de signos) não nos requisita, por seu turno, este modo de concatená-los na ordem de uma implicação filoniana (“se x, logo y”): sentenças e palavras (assim como também termos de ligação e tempos verbais) são unidades de uma linguagem, elementos que empregamos como portando um conteúdo que não é mais da ordem de uma implicação lógica (melhor dizendo, causal), mas de uma “correspondência arbitrária” (em termos, uma convenção determinada por um código).

4. É prudente que tenhamos conta do fato de que esta relação entre os processos inferenciais e a linguagens já está como que incubada na idéia mesma da entidade sígnica como resultante de um processo lógico de implicação: Eco nos lembra como a filosofia dos estóicos insiste em não dissociar a faculdade de implicar fatos particulares com o modo como conferimos generalidade ao valor cognitivo de uma ocorrência. Assim sendo, se penso na relação entre dois fatos particulares, é porque inscrevo a eles um caráter típico ou característico, que é aquilo que lhe confere a universalidade pela qual é admitido, quando pensamos: esta generalidade da implicação inferencial é expressa na forma das unidades do discurso que exprime estas relações, numa forma lingüisticamente articulada. Disto decorre a impossibilidade de dissociar a estrutura lógica da implicação de sua contraface expressiva e convencional na linguagem .

· Eco, “Signo e Inferência”: p. 40.

5. No modo como, ainda segundo Eco, Santo Agostinho tentou unificar estas duas ordens da concepção do signo, sete séculos depois dos estóicos, poderíamos estabelecer que a relação entre fatos é, de certo modo, uma resultante (decerto cronológica, quiça ontológica) das relações entre expressões linguísticas e seus conteúdos (em termos, de palavras e seus significados). Uma admissão como esta nos conduziria a pensar o estatuto lógico do signo como localizado no âmbito da conotação (do sentido indireto), ao passo que os signos linguísticos seriam, por definição, denotativos. Mais tarde, entretanto, a questão da significação se sofistica, para Agostinho, quando considera a função própria aos termos de ligação, o que dá início ao que Eco designa como “modelo instrucional” ou, mais simplesmente, a análise contexual do significado.

· Eco, “Signo e inferência”: p. 44.

6. Um aspecto que nos permitirá tratar, em separado, a definição do signo enquanto entidade ligada aos modos de expressão linguística, diz respeito ao estatuto epistemológico dos modos lógicos de implicação: em certos casos de inferência (“se usa um broche com foice e martelo, então comunista”), as condições de veridição de uma proposição não são dadas por fatos anteriores, mas firmadas por convenção, isto é, não por um princípio de implicações que vai do antecedente ao consequente ou inversamente (não é da ordem da causalidade entre duas proposições, portanto), mas estabelecidas como um princípio coletivo (ou social) e arbitrário. O valor de conhecimento que se estabelece para as proposições, nestes casos funciona como uma resultante de práticas sociais institucionalizadas, e deve ser explicado como um recurso dos signos a este modo de sua compreensão. Entender enunciados, neste caso, é entender um conjunto de signos que se opera a partir dos princípios de concatenação próprios às regras da linguagem.

7. A Linguística estrutural de Saussure vai resolver esta questão do sistema arbitrário sob o qual as expressões linguísticas podem ser explicadas, a partir do modo como ele concebe o próprio signo linguístico: neste caso, temos que separar momentaneamente aquilo que é central para a linguística (o estudo da lingual enquanto sistema de regras), daquilo que nos interessa agora, a saber, o modo como Saussure define a unidade minima do signo, enquanto parte deste sistema. Vejamos como estas questões se constroem, em seguida.

8. Assim sendo, a definição do signo linguistico está incluída na noção do “sistema”, através do qual Saussure concebe o objeto da linguística: sendo a língua definida como um “sistema de signos”, e não como um “conjunto” ou “enumeração” dos mesmos, a definição do signo linguístico, na perspectiva saussureana, não o introduz como uma unidade puramente individual, mas como o termo de uma função, união de certos aspectos dos processos de nomeação, que não podem ser separados, sem o sacrifício da idéia mesma de signo que funciona num sistema de valores: Saussure começa por identificar nas unidades que constituem a língua esta unidade entre um aspecto material (sonoro ou gráfico) e uma ordem de idéias (às quais associamos instantaneamente as emissões dotadas de certo grau de articulação).

· Saussure, Ferdinand de. “Princípios Gerais”: p. 79,80.

9. É assim portanto que surge a idéia de uma definição do signo linguístico como união de uma porção acústica (um significante) e outra de suas partes como referido aos conceitos (o significado): elas se constituem na unidade do signo como partes mutuamente indissociáveis (a imagem saussureana é a do verso e reverso de uma mesma folha de papel).

10. Dois princípios regem fundamentalmente a constituição do signo enquanto unidade complexa: em primeiro lugar a arbitrariedade da relação entre significante e significado (isto é, o fato de que esta unidade não é explicável em termos de determinação de cada uma de suas partes, entre si, mas por um princípio convencionado, instituído no partilhamento social), fato este que explica o aspecto de instituição social, através do qual Saussure define a língua enquanto objeto de estudos da linguística; em segundo lugar, a porção acústica do signo é determinada em seu valor, apenas no contexto de suas relações com outras porções de sons e de palavras (isto significa que o valor de uma unidade sonora é sempre o resultado de sua articulação com outras unidades do sistema inteiro, seja no plano da oposição presencial pela qual sons e palavras se articulam, seja no nível da associação própria à relação entre uma porção de sons e enunciados e seus correspondentes conteúdos), o que caracteriza a dimensão de sistema de signos que define a língua enquanto objeto.

11. A definição linguística do “signo”, assim como os princípios que regem sua articulação, no sistema de valores que é a língua, influenciou enormemente a constituição dos saberes semiológicos, como já vimos no passado, no modo como Roland Barthes restitui ao papel da descoberta da obra do lingüista genebrino a maior influência de seu turno semiológico, entre o fim dos anos 50 e o início dos 60; a incidência dos saberes lingüísticos no processo de constituição da semiologia enquanto ciência se justifica pelo modo como as ciências da linguagem permitem à nascente ciência geral dos signos a observação de uma série de fenômenos correlatos às linguagens naturais (mas não articulados a partir do mesmo tipo de matéria própria à língua), e que poderiam ser observados, a partir de princípios firmados pelo modo como Saussure definiu o objeto e as finalidades da própria linguística (o que não se deu de modo simples, mas por uma série de transposições e de especificações feitas à definição saussureana do signo linguístico).

12. Segundo Barthes, a importância do conceito linguístico de signo como unidade é o de definir para a própria linguística, (ou pelo menos para seus ramos que encontram-se concernidos com a dimensão participativa dos significados como entidades linguísticas) um princípio operatório que consiste em estabelecer que na linguagem encontramos, como estruturalmente comprometidas, duas espécies de unidades: primeiramente, as unidades significativas (os monemas ou, simplesmente, as palavras) que são portadoras de um sentido semântico simples, assim como as unidades distintivas (grosso modo, os fonemas ou sons da língua), que, segundo Barthes, participam da forma, mas não são necessariamente portadoras de sentido. A suposição de que o signo linguístico envolva uma diferenciação teórica, mas não fenomênica, entre significantes e significados aparelha a própria linguística a firmar o princípio da dupla articulação dos signos da língua.

Leitura Obrigatória:

Barthes, Roland. “Significante/significado”. In: Elementos de Semiologia;

Eco, Umberto. “Signo e Inferência”. In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;

Saussure, Ferdinand de. "Princípios gerais". In: Curso de Linguística Geral.

Tuesday, November 24, 2009

Signos e Inferencia em Peirce

Semiótica - COM 102

4. Conceitos centrais das teorias semióticas: o signo

4.1. Signos e Inferência: pensamento, intuição e significação em Peirce

  1. Na exploração que fizemos anteriormente da estrutura lógica própria ao raciocínio detetivesco, já identificamos, como nosso propósito inicial, as relações entre este modo de conhecer e o modelo conjectural (como o concebe Guinzburg), característico de um certo paradigma das ciências da observação (como é o caso da clínica médica), agora refluídas sobre certos ramos das humanidades (o que constituiria a matriz da penetração dos saberes semióticos nas ciências humanas e sociais, no último século).
  1. Isto devidamente feito, é necessário agora que passemos a uma etapa subseqüente de nossa argumentação, que já havíamos prenunciado, na etapa anterior da exposição: trata-se de extrair do exemplo trazido pela racionalidade detetivesca uma iluminação sobre o conceito mesmo de signo; neste caso, nos interessa explorar as vertentes lógicas das teorias da significação e as relações ali propostas entre a estrutura lógica de nossas cogitações, testes de verdade e certezas e os seus modos de apresentação e expressão, através de formas significantes (ou mais simplesmente, as relações entre os processos cognitivos e a estrutura da significação). Neste caso, a perspectiva lógica dos fenômenos de significação, instaurada pelos escritos de Peirce, é o caso mais exemplar que desejamos tomar como ponto de partida.
  1. Tomemos, mais uma vez, em causa o exemplo do raciocínio de Dupin sobre as idas e vindas das cogitações internas do narrador de “Os Crimes da Rua Morgue”: já vimos que o detetive põe em jogo um gênero de raciocínio ao qual se designa usualmente como sendo o da “hipótese”. Sem considerarmos, por ora, a relação este gênero de conjecturas e a lógica da ciência, nos interessa em especial a estrutura semiósica na qual este tipo de cogitação parece se basear: na hipótese, nos interessa aquilo que caracteriza um gênero muito peculiar de atenção àquilo que é o caso (àquilo que, uma vez presente aos sentidos, manifesta-se à atenção de quem pensa como reunindo um conjunto de qualidades salientes, às quais poderíamos chamar de aspectos).
  1. No caso de Dupin, se pudermos recapitular cada estágio de sua cogitação sobre os movimentos do espírito do narrador, veremos que cada evento que ele traz à luz de sua explicação funcionou como um signo daquilo que ele pretendia estabelecer como sendo o estado interior de seu parceiro. É relativamente fácil observarmos como isto pode ter-de dado, passo a passo.

· Harrowitz, “O arcabouço do modelo de detetive...”: pp. 209,210.

  1. Em geral, a questão da hipótese é tratada pela comunidade dos intérpretes de Peirce, em comparação com as outras modalidades do raciocínio, a saber a indução e a dedução (ou, em termos, à demosntração à conclusão), o que normalmente nos conduz a um formalismo vazio e a uma considerável distancia do alcance da hipótese, na sua relação com os processos de significação e de compreensão: numa certa medida, a lógica da hipótese diz respeito a um fenômeno anterior a toda conjectura e reflexão acerca dos dados dos sentidos, ou seja, ela parece lançar uma luz sobre o modo racionalmente constituído de nossa percepção ordinária (ou seja, o caráter de juízo que é inerente àquilo que mais comumente chamamos de fatos).
  1. Em que sentido isto é particularmente dramático, de um ponto de vista teórico? Ora, se recobrarmos alguns momento iniciais deste nosso percurso pelas teorias semióticas, veremos que este aspecto da hipótese se rebate sobre as perguntas da metafísica, sobretudo quando elas dependem de um certo valor que atribuímos aos conteúdos de nossa percepção: de um ponto de vista lógico (ou semiótico), aquilo que chamamos de conteúdo de uma experiência sensorial já se inscreve na ordem dos predicados, no momento mesmo em que falamos sobre estas coisas, o que significa que nossos juízos perceptivos já assumem, na sua origem mesma, a forma de uma conjectura sobre a realidade. Antes mesmo de nos lançarmos a qualquer demonstração sobre fatos (quando introduzimos, então, os testes indutivos), já estamos raciocinando, em hipótese, sobre seus modos de ser, as classes e idéias a que pertencem, e coisas que tais.
  1. Mais importante ainda, esta faculdade discriminadora pode ser adestrada, como uma capacidade a partir da qual podemos resolver determinados tipos de questões (como resolver um crime ou diagnosticar uma doença): a resolução de problemas desta natureza requer dos sujeitos uma considerável sensibilidade para os detalhes manifestos de tudo aquilo que tenha correlação com o caso que tentamos determinar (quem cometeu um crime cujas pistas são notáveis, que doença se manifesta por tais e tais sintomas); no caso dos diagnósticos, um fato insignificante (um movimento involuntário, uma marca no corpo do paciente) se adiciona a tudo aquilo que se pode recolher do histórico médico e dos testemunhos do paciente, para se firmar uma idéia do mal de que alguém é acometido. Alguns historiadores falam com vagar sobre como esta idéia da atenção ao detalhe compõe o discurso de uma certa epistemologia das ciências humanas, nos dois últimos séculos.

· Guinzburg, “Sinais...” (a questão de método)

  1. Na base de todo este modelo conjectural (que não diz respeito apenas às propriedades do discurso das ciências, mas também aos movimentos da subjetividade e de seus esquemas conceituais), vemos posta em jogo toda uma ordem de pressupostos que temos sobre o caráter determnado dos objetos de nossa cogitação. Ora, na estrutura da hipótese, como vimos, é um certo modo de manifestar a relação do existente com nossos esquemas de referência, que se manifesta com toda força. Se a compreensão inferencial é algo que se manifesta na origem mesmo de nossos juízos perceptivos mais elementares, então agora é o caso de explorarmos como o conceito mesmo de signo, em Peirce nos permite explicitar esta dependência do existente com respeito aos limites de nosso entendimento.
  1. Como é que esta caracterização da estrutura da hipótese coloca em jogo a função própria aos signos? Em primeiro lugar, tudo isto implica um certo modelo de crítica ao poder fundador da introspecção e da intuição como matrizes da orientação de um conhecimento seguro: em certos escritos dos anos 60 do século XIX, Peirce identifica no assim chamado “espírito do cartesianismo” a postulação de certas faculdades inerentes aos modos humanos de cogitar a realidade, e que teriam por raiz a nossa capacidade de conhecer realidades interiores e exteriores, de maneira direta. Opondo-se a uma tal idéia, a conseqüência que Peirce extrai da rejeição sobre os poderes da introspecção e da intuição é a seguinte: já que não temos conhecimento de nós mesmos a não ser por produzirmos hipóteses sobre o mundo interior a partir do conhecimento sobre fatos exteriores; e se fatos exteriores são conhecidos por derivação de cognições anteriores, então nos é impossível pensar sem signos.
  1. Nos resta, entretanto, examinar ainda como é que estas questões se rebatem sobre o conceito mesmo de signo, em Peirce, e o modo como nele se expressam esta indissociabilidade entre o pensamento e a significação. Vejamos como isto se dá: supondo que nosso conhecimento da realidade implique o modo proposicional (pensar é relacionar os objetos do pensamento numa ordem predicativa), o objeto de nossas cogitações é algo de presente sobre o qual se diz ou pensa alguma coisa; na perspectiva clássica da formulação deste problema, pensar é inscrever um sujeito singular à ordem na qual um conceito o qualifica, como predicado. Esta união não é apenas sintática, mas sobretudo lógica: é necessário que aquele sobre o qual se predica seja menos geral do que o conceito que subsiste ao predicado.
  1. Pois bem, nesta estrutura em que pensar é atribuir caráter geral a um ente, há que se considerar o modo como se constrói este remetimento entre o singular e o abstrato, em três níveis variados: em primeiro lugar, o conceito sob o qual o predicado exprime aquilo que se diz de um sujeito manifesta a qualidade mediante a qual este mesmo sujeito é pensado na ordem do juízo; avançando um pouco mais adiante, devemos reconhecer que a qualidade como referência é sempre uma resultante do modo como alguma coisa é pensada sob esta mesma qualidade; enfim, a relação entre a qualidade e aquilo que em que ela se encarna implica a idéia de um termo mediador pelo qual esta junção possa ser pensada.
  1. Pois bem, estas são as três referências que constituem a base na qual Peirce define a estrutura do signo, enquanto matriz de todo raciocínio: a qualidade na qual se exprime o objeto da primeira referência, constitui seu fundamento (a idéia de que o signo é primeiramente constituído por um aspecto qualquer que se destaca do sujeito da proposição, quando dele cogitamos: uma cor, uma forma, um som, um movimento dos corpos, uma imagem, uma lembrança);
  1. Em segundo lugar, o fato de que esta qualidade referida pelo predicado é o aspecto mais concreto do objeto de nossas cogitações (a matéria que contém as propriedades aspectuais, o extenso corpo no qual o movimento se inscreve, o referente concreto de uma imagem, o motivo que suscita a recordação);
  1. Finalmente, a idéia mediadora entre as qualidades e os corpos extensos, que constitui-se como o significado que atribuímos a esta junção, à qual Peirce designa como o interpretante de todo signo (o valor estético, dinâmico, semântico ou afetivo que atribuímos à junção das cores e formas, dos objetos de nossas lembranças e reconhecimento).
  1. Se nosso pensamento se estrutura sobre uma base inferencial de implicações, é porque esta mesma base reflete uma estrutura mais profunda, que é a do funcionamento dos signos mesmos. Isto significa que, na ordem de nossas cognições, aquilo que é “objetivo” ou “subjetivo” só o é assim relativamente a um sistema de referências e de crenças, cuja estrutura de funcionamento é da ordem dos signos, isto é: aparece sob a forma de uma substância individual designada por seu conceito (como no predicado), ou como um fundamento (de ordem material ou não) que aponta para um universo de referência (um objeto), gerando uma lei ou um hábito inferencial, ou ainda um significado proposicional (um interpretante). Examinemos esses conceitos em detalhe, em seguida.
  1. Na estrutura em que os signos são definidos como “veículos” de um pensamento, a ocorrência de um signo é sempre relativa a outro signo, do mesmo modo que cada cognição que temos é reportada por cognições anteriores: nesse sentido, um signo é inseparável do significado global pelo qual ele se exprime ou, como afirma Peirce, o signo é inseparável do caráter interpretativo do pensamento. Esse aspecto define o interpretante como um componente da definição peirceana do signo: numa perspectiva mais genérica, podemos dizer que essa parte do conceito se reporta ao que chamaremos, mais adiante, de conceito semiótico do significado.
  1. Para além de ser relativo a outro signo (que se exprime, na relação com o primeiro como sendo seu significado), o conceito peirceano de signo implica uma alteridade, no plano dos objetos do pensamento: um signo se reporta a outro objeto que não aquele pelo qual ele exprime enquanto tal: há algo externo ao signo, e do qual ele não separa, na condição de signo; Peirce designa esta parte do conceito de signo, como sendo o objeto do signo. Finalmente, naquilo que é próprio ao signo enquanto veículo de representações, são certos aspectos que definem o modo como ele se reporta aos objetos e aos significados que lhe correspondem, e aqui falamos das propriedades ou qualidades intensionais do signo, a que Peirce define como sendo o fundamento de todo signo.

Referências Bibliográficas:

Eco, Umberto. “Signo e inferência”. In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;

Peirce, Charles Sanders. “Algumas conseqüências de quatro incapacidades”. In: Semiótica.

Itens de leitura para a próxima aula:

Barthes, Roland. “Significado/significante”. In: Elementos de Semiologia;

Eco, Umberto. “Signo e inferência”. In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;

Saussure, Ferdinand de. “Princípios gerais”. In: Curso de Linguística Geral;

Sunday, November 15, 2009

3a Avaliação Parcial

Queridos,

Seguem as questões da 3a avaliação parcial, cujas respostas devem ser entregues na 2a feira, dia 23/11.


Ad,

Benjamim


UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

Disciplina: Semiótica (COM 102)

Professor: Benjamim Picado

Horário: Segundas e Quartas, de 07 às 09:00

Local: Sala 04 - FACOM-Ondina

3a AVALIAÇÃO PARCIAL

1. Considerando as seis modalidades pelas quais Umberto Eco reconhece o emprego usual da noção de signo, em “Signo e Inferência”, como vc. os classificaria, tendo como parâmetro de distribuição os modos inferenciais e textuais da compreensão sígnica, assim como seus respectivos princípios da “dependência” e do “sistema”?

2. Considere a seguinte página, extraída de uma reportagem publicada na revista Claudia, de outubro de 2005:



Considerando as modalidades elementares da compreensão (inferencia e entendimento textual), assim como seus correlativos princípios de funcionamento (dependência e sistema), procure discriminar nesta imagem os elementos de cada um desses aspectos de sua significação global.


Leitura de referência da unidade:

Eco, Umberto. "Signo e inferência". In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;

Volli, Ugo. “Interpretação”. In: Manual de Semiótica.


raram facit misturam cum spientia forma

O entendimento textual e o "princípio do sistema"

Queridos,

Seguem abaixo as notas referentes ao último ponto da exposição da disciplina, sobre as modalidades de entendimento textual. Aida hoje, à noite, disponibilizarei as questões da terceira avaliação parcial da disciplina.

Ad,

Benjamim


Semiótica - COM 102

Aula no 3 – A Estrutura Elementar da Compreensão

3.3. Entendimento textual e o “princípio do sistema”

1. Na caracterização dos modos mais elementares da compreensão, aos quais se reporta uma teoria dos signos, falamos predominantemente de nossa consciência sobre relações entre fatos: enfim, falamos do modelo inferencial, e da maneira como nele se deixa implicar a idéia de uma necessária dependência entre ocorrências, no modo distinto como determinamos aquilo que, para uma consciência, é o caso. Em outros regimes da compreensão, entretanto, o problema sobre “o que há” não se põe, fundamentalmente porque os objetos da experiência se constituam como fatos que uma consciência tenta coordenar ou relacionar, mas por uma outra espécie de percurso de nosso entendimento. Em termos, há modos de compreensão que tomam por motivos textos, entidades como sentenças, palavras, discursos, e de um tal modo que sua ocorrência não é derivada de estados de coisas ou de idéias abstratas que podem ser explicadas por seus correlatos semânticos, mas de toda uma outra ordem de fatores que nos cumpriria examinar, à parte.

3. Em primeiro lugar, definamos que estamos falando de “textos”, reportando-nos a um tipo de manifestação que (uma vez definida deste modo) se apresenta em substâncias que são enormemente variáveis entre si: é evidente que reconhecemos usualmente esse tipo de manifestação em casos bem específicos de materiais aos quais chamamos mais naturalmente de “textos”, como os enunciados verbais, as formas narrativas, as estratégicas retóricas e coisas que tais. Do ponto de vista de sua expressão, entretanto, as manifestações de um sentido textual podem manifestar-se em components semióticas outras, tais como o gesto, a imagem, a fisionomia, a expressão corporal: um primeiro aspecto de uma abordagem semiótica da experiência que define um regime textual do entendimento é o de que as matérias que servem para significar, neste regime específico, podem funcionar como enunciados sem que se definam com uma articulação de palavras, por exemplo.

4. Em comparação com os modos inferenciais, a atividade que caracteriza a compreensão textual implica em um outro regime de articulação daquilo que se manifesta como matéria para o entendimento: ao invés de correlacionar cada parte ou átomo de uma ocorrência em relação com outras, na perspectiva de uma implicação (na lógica do filão, como diria Umberto Eco), a compreensão textual articula estas substâncias variadas (sons, gestos, imagens), transformando-as em elementos de um sistema (no jargão de uma certa escola das teorias semióticas, ela transforma essas matérias em formas significantes); assim sendo, o princípio de um entendimento textual não toma os fatos, na sua condição de dependência para com outros, de modo a torná-lo compreensível, mas estabelece a relação de dependência de uma ocorrência significante qualquer com um sistema de convenções (por isso mesmo é que eles exemplificam outra modalidade da estrutura elementar da compreensão, ao qual chamamos doravante de “princípio do sistema”).

4. Como é que o entendimento pode chamar em causa uma regra da compreensão? Diferentemente do princípio no qual funcionam as inferências, a compreensão textual não requisita uma experiência contínua e sedimentada de correlação entre ocorrências do mundo, para firmar os modos como reconhecemos cada uma delas na sua relativa singularidade: compreender um texto, não significa correlacionar as ocorrências concretas que o constituem materialmente com ocorrências anteriores, de modo a implicá-las em seu valor recíproco; ao invés disto, pede que reconheçamos a singularidade de uma expressão como sendo a amostragem de um tipo geral, cuja realidade é da ordem de uma convenção.

5. O melhor modo de explanar este princípio caraterístico da compreensãao textual e de seus fundamentos talvez seja aquele que chama em causa a noção de “código”, para explicar os fundmentos daquilo que caracteriza nossa compreensão de sentenças e palavras: nestes termos, há toda uma tradição intellectual de reflexão sobre o fenômeno da comunicação verbal baseada, por sua vez, na idéia de código. Isto significa que o universo da expressão humana pode ser abordado a partir da noção de que cada ocorrência na qual um sujeito manifesta-se com o intento de transmitir alguma idéia a um interlocutor deve implicar a idéia de um sistema de regras subjacente a cada manifestação, e que se caracteriza como um sistema de regras da prórpia comunicação verbal.

6. De fato, quando examinarmos com mais vagar as concepções de signo, nas vertentes mais associadas à linguística, ali vemos emergir com força a noção de que o sentido característico das expressões verbais é uma decorrência dos poderes constringentes de um código ou então de uma convenção, características, por sua vez, do sistema integral da lingua. E é assim que a comunicação ordinária de pensamentos, os efeitos trópicos do discurso da poesia, a comunicação por gestos, os ritos e costumes, os símbolos religiosos, enfim, um universo inteiro de manifestações da cultura pode ser assimilado, do ponto de vista de seu estudo sistematico, ao princípio do sistema ou à idéia dos códigos correlativos a cada uma destas manifestações.

7. A título de destaque, apenas, não se deve supor que esta menção ao modelo do código, nas teorias da comunciação verbal, deva se contrapor necessariamente, ao modelo que examinamos na sessão anterior, ou seja o das formas inferenciais da compreensão (e seu princípio correlativo da dependência): como as consequências desta caracterização nos interessarão mais adiante, na definição de uma perpsectiva pragmática da análise dos significados, deixamos este aspecto do texto em suspenseo por ora: o propósito aqui é o de definir o valor próprio de uma teoria da significação baseada na ideia do código e, nesses termos, valorizar o princípio do sistema, que lhe é inerente. Assim sendo, os processos de significação que caracterizam todo este universo de fenômenos abordados pelas teorias semióticas deverá decerto levar em conta a noção de que o sentido que é inerente a cada uma destas manifestações é decorrente de um sistema ou de um código corelato às manifestações particulares.

8. Em primeiro lugar, devemos considerar uma importante diferença que se estabelece entre os dois modos do entendimento que se manifestam no princípio da dependência e no princípio do sistema: no que respeita uma definição sobre a natureza mesma dos signos, em cada destas perspectivas, esta distinção entre os dois princípios atualiza uma distinção, própria à filosofia dos signos dos medievais (sobretudo, Agostinho), e pela qual aprendemos a diferenciar os signos naturais (supostamente próprios ao modo inferencial) e os signos artificiais (ou convencionais), por sua vez característicos, mas não exclusivos, da comunicação lingüística.

9. Examinemos esta ordem de questões, a partir de exemplos mais concretos: à luz da suposição que já podemos fazer sobre como compreendemos fatos atmosféricos, sintomas e pistas (que são exemplos clássicos de uma compreensão inferencial), como é possível que saibamos (como, de fato, sabemos), o que significam expressões como estas?

Als das kind kind war...

Alons enfants de la patrie, le jour de gloire est arrivé!

10. As diferenças entre as duas modalidades da compreensão não são apenas da ordem dos objetos a que elas se reportam (fatos, de um lado, textos, de outro), mas também da ordem das atividades que são requisitadas, uma vez que estejamos operando em cada uma delas: o tipo de compreensão característico nas modalidades inferenciais é mais apropriado à produção de conclusões (sob a forma de diagnósticos, prognósticos, juízos retrospectivos ou projetivos, todos dotados de certa universalidade ou de certa factualidade); no caso da interpretação textual, o que fazemos é de-cifrar uma mensagem, no sentido etimológico mesmo da expressão, isto é, atribuir seu valor, mediante a decomposição de uma ocorrência, em correlação com uma cifra (isto é, um padrão de comparação, que é fundado em um sistema de regras), e que funciona como sendo seu correlato estrutural – ao modo de uma gramática.

11. No caso das modalidades textuais de compreensão, não se supõe (ao menos, em geral) que as condições de verdade (enquanto relativa a uma ordem de fatos ou mesmo de classes de fatos) sejam requisitos da compreensão mesma: não é suposto nenhum conhecimento material de fato, como pressupostos para a validade de uma proposição ou enunciado em verdade, podemos estabelecer a diferenciação entre significados proposicionais e sentenciais, precisamente no nível da distinção entre o que é exigido para que aceitemos a validade de uma proposição, na perspectiva das inferencias, e das sentenças, no plano do entendimento textual: grosso modo, diríamos que a requisição de conhecimentos, no ultimo caso, diz respeito a condições que são internas à própria ordem do discurso e não a seus processos lógicos de implicação.

12. Quando falamos uma língua ou compreendemos alguém que se expressa verbalmente, o princípio no qual a expressão e o entendimento do discurso se manifestam não se reduz àqueles pelos quais identificamos a compreensão da relação entre fatos. Quando compreendemos uma língua, no modo como ela se exprime em uma ocorrência qualquer (no fato de que alguém nos diz alguma coisa), não há quaisquer fatos ligados à expressão que determinem nosso entendimento, mas um conjunto de mensagens cujos conteúdos estão determinados no modo como uma regra gramatical fixa a referência de uma ocorrência. Se o princípio da implicação é característico de nosso modo de conhecer fatos (através de mecanismos de implicação lógica), no caso da produção das aparências, estamos diante de um mecanismo produtor de sentidos textuais e sua compreensão é assunto de uma competência específica para este fim.

9. Pensemos agora em outras ordens de questões que são, a nosso ver, correlatas à compreensão de sentenças e palavras: quando consideramos os modos como os indivíduos interagem em sociedade, percebemos que um outro tipo de problemas irrompe como característico de uma concepção da realidade ligada aos mecanismos de compreensão. Do mesmo modo que a consciência acerca da realidade exterior, o comportamento social também não é um conjunto de fatos que possam ser analisados como se constituíssem fenômenos isolados, pois formam um verdadeiro sistema das ações que os indivíduos conduzem em contexto social, e que se estabelece como uma espécie de maquinaria para a produção de simulações.

10. Apenas a título de exemplo, pensemos em um caso mais do que exemplar da produção social das aparências, a saber, o jogo da sedução amorosa (que tem correlações estruturais com todo ato retórico de persuasão): quando desejamos impressionar alguém, procuramos muito simplesmente produzir uma imagem de nós mesmos para os outros, levando em conta todo um “pacote sensorial” (um conjunto de informações sobre como nos apresentamos, como nos vestimos, que gostos temos, como andamos, nos sentamos, como falamos, numa lista sem fim daquilo que supomos serem nossos atributos mais importantes), e que apresentamos como parte de uma identidade que queremos fazer crer ao outro como sendo a “nossa”.

11. Certos ramos da psicologia social, fala-se na idéia de uma dramatização através da qual os indivíduos exprimem seu modo de se inscrever na vida social (e, por conseqüência, buscar a aprovação de seus semelhantes). Estas formas ou “técnicas” ligadas a nosso modo de apresentação social funcionam em uma estrutura que é necessariamente dúplice: de um lado, eles são um conjunto de coisas que fazemos para produzir uma imagem de nós mesmos para o outro (neste sentido, o processo pode ser abordado na perspectiva de sua dimensão produtiva, em seu aspecto de atividade daquele que lança mãos destes recursos); de outro lado, entretanto (o mais importante, na consideração de sua dependência com as modalidades da compreensão), estas formas de simulação prevêm, por assim dizer, uma instância de sua decifração, no nível da recepção destes sinais.

12. Se assim não fosse, todo este conjunto de ações se perderia no nível de uma pura produção das aparências, mas sem qualquer efeito: sem que elas repercutam sobre uma recepção que seja capaz de identificar as informações expressas com o pacote de valores que identifica o sujeito de algum modo, estas ações se perderiam no vazio.

13. Cenas de “Elementary Dating”, em Mr. Bean, de Rowan Atkinson ().

Referências Bibliográficas:

Goffman, Erving. “Introdução”. In: A Representação do Eu na Vida Cotidiana;

Volli, Ugo. “Interpretação”. In: Manual de Semiótica.