Sunday, November 15, 2009

O entendimento textual e o "princípio do sistema"

Queridos,

Seguem abaixo as notas referentes ao último ponto da exposição da disciplina, sobre as modalidades de entendimento textual. Aida hoje, à noite, disponibilizarei as questões da terceira avaliação parcial da disciplina.

Ad,

Benjamim


Semiótica - COM 102

Aula no 3 – A Estrutura Elementar da Compreensão

3.3. Entendimento textual e o “princípio do sistema”

1. Na caracterização dos modos mais elementares da compreensão, aos quais se reporta uma teoria dos signos, falamos predominantemente de nossa consciência sobre relações entre fatos: enfim, falamos do modelo inferencial, e da maneira como nele se deixa implicar a idéia de uma necessária dependência entre ocorrências, no modo distinto como determinamos aquilo que, para uma consciência, é o caso. Em outros regimes da compreensão, entretanto, o problema sobre “o que há” não se põe, fundamentalmente porque os objetos da experiência se constituam como fatos que uma consciência tenta coordenar ou relacionar, mas por uma outra espécie de percurso de nosso entendimento. Em termos, há modos de compreensão que tomam por motivos textos, entidades como sentenças, palavras, discursos, e de um tal modo que sua ocorrência não é derivada de estados de coisas ou de idéias abstratas que podem ser explicadas por seus correlatos semânticos, mas de toda uma outra ordem de fatores que nos cumpriria examinar, à parte.

3. Em primeiro lugar, definamos que estamos falando de “textos”, reportando-nos a um tipo de manifestação que (uma vez definida deste modo) se apresenta em substâncias que são enormemente variáveis entre si: é evidente que reconhecemos usualmente esse tipo de manifestação em casos bem específicos de materiais aos quais chamamos mais naturalmente de “textos”, como os enunciados verbais, as formas narrativas, as estratégicas retóricas e coisas que tais. Do ponto de vista de sua expressão, entretanto, as manifestações de um sentido textual podem manifestar-se em components semióticas outras, tais como o gesto, a imagem, a fisionomia, a expressão corporal: um primeiro aspecto de uma abordagem semiótica da experiência que define um regime textual do entendimento é o de que as matérias que servem para significar, neste regime específico, podem funcionar como enunciados sem que se definam com uma articulação de palavras, por exemplo.

4. Em comparação com os modos inferenciais, a atividade que caracteriza a compreensão textual implica em um outro regime de articulação daquilo que se manifesta como matéria para o entendimento: ao invés de correlacionar cada parte ou átomo de uma ocorrência em relação com outras, na perspectiva de uma implicação (na lógica do filão, como diria Umberto Eco), a compreensão textual articula estas substâncias variadas (sons, gestos, imagens), transformando-as em elementos de um sistema (no jargão de uma certa escola das teorias semióticas, ela transforma essas matérias em formas significantes); assim sendo, o princípio de um entendimento textual não toma os fatos, na sua condição de dependência para com outros, de modo a torná-lo compreensível, mas estabelece a relação de dependência de uma ocorrência significante qualquer com um sistema de convenções (por isso mesmo é que eles exemplificam outra modalidade da estrutura elementar da compreensão, ao qual chamamos doravante de “princípio do sistema”).

4. Como é que o entendimento pode chamar em causa uma regra da compreensão? Diferentemente do princípio no qual funcionam as inferências, a compreensão textual não requisita uma experiência contínua e sedimentada de correlação entre ocorrências do mundo, para firmar os modos como reconhecemos cada uma delas na sua relativa singularidade: compreender um texto, não significa correlacionar as ocorrências concretas que o constituem materialmente com ocorrências anteriores, de modo a implicá-las em seu valor recíproco; ao invés disto, pede que reconheçamos a singularidade de uma expressão como sendo a amostragem de um tipo geral, cuja realidade é da ordem de uma convenção.

5. O melhor modo de explanar este princípio caraterístico da compreensãao textual e de seus fundamentos talvez seja aquele que chama em causa a noção de “código”, para explicar os fundmentos daquilo que caracteriza nossa compreensão de sentenças e palavras: nestes termos, há toda uma tradição intellectual de reflexão sobre o fenômeno da comunicação verbal baseada, por sua vez, na idéia de código. Isto significa que o universo da expressão humana pode ser abordado a partir da noção de que cada ocorrência na qual um sujeito manifesta-se com o intento de transmitir alguma idéia a um interlocutor deve implicar a idéia de um sistema de regras subjacente a cada manifestação, e que se caracteriza como um sistema de regras da prórpia comunicação verbal.

6. De fato, quando examinarmos com mais vagar as concepções de signo, nas vertentes mais associadas à linguística, ali vemos emergir com força a noção de que o sentido característico das expressões verbais é uma decorrência dos poderes constringentes de um código ou então de uma convenção, características, por sua vez, do sistema integral da lingua. E é assim que a comunicação ordinária de pensamentos, os efeitos trópicos do discurso da poesia, a comunicação por gestos, os ritos e costumes, os símbolos religiosos, enfim, um universo inteiro de manifestações da cultura pode ser assimilado, do ponto de vista de seu estudo sistematico, ao princípio do sistema ou à idéia dos códigos correlativos a cada uma destas manifestações.

7. A título de destaque, apenas, não se deve supor que esta menção ao modelo do código, nas teorias da comunciação verbal, deva se contrapor necessariamente, ao modelo que examinamos na sessão anterior, ou seja o das formas inferenciais da compreensão (e seu princípio correlativo da dependência): como as consequências desta caracterização nos interessarão mais adiante, na definição de uma perpsectiva pragmática da análise dos significados, deixamos este aspecto do texto em suspenseo por ora: o propósito aqui é o de definir o valor próprio de uma teoria da significação baseada na ideia do código e, nesses termos, valorizar o princípio do sistema, que lhe é inerente. Assim sendo, os processos de significação que caracterizam todo este universo de fenômenos abordados pelas teorias semióticas deverá decerto levar em conta a noção de que o sentido que é inerente a cada uma destas manifestações é decorrente de um sistema ou de um código corelato às manifestações particulares.

8. Em primeiro lugar, devemos considerar uma importante diferença que se estabelece entre os dois modos do entendimento que se manifestam no princípio da dependência e no princípio do sistema: no que respeita uma definição sobre a natureza mesma dos signos, em cada destas perspectivas, esta distinção entre os dois princípios atualiza uma distinção, própria à filosofia dos signos dos medievais (sobretudo, Agostinho), e pela qual aprendemos a diferenciar os signos naturais (supostamente próprios ao modo inferencial) e os signos artificiais (ou convencionais), por sua vez característicos, mas não exclusivos, da comunicação lingüística.

9. Examinemos esta ordem de questões, a partir de exemplos mais concretos: à luz da suposição que já podemos fazer sobre como compreendemos fatos atmosféricos, sintomas e pistas (que são exemplos clássicos de uma compreensão inferencial), como é possível que saibamos (como, de fato, sabemos), o que significam expressões como estas?

Als das kind kind war...

Alons enfants de la patrie, le jour de gloire est arrivé!

10. As diferenças entre as duas modalidades da compreensão não são apenas da ordem dos objetos a que elas se reportam (fatos, de um lado, textos, de outro), mas também da ordem das atividades que são requisitadas, uma vez que estejamos operando em cada uma delas: o tipo de compreensão característico nas modalidades inferenciais é mais apropriado à produção de conclusões (sob a forma de diagnósticos, prognósticos, juízos retrospectivos ou projetivos, todos dotados de certa universalidade ou de certa factualidade); no caso da interpretação textual, o que fazemos é de-cifrar uma mensagem, no sentido etimológico mesmo da expressão, isto é, atribuir seu valor, mediante a decomposição de uma ocorrência, em correlação com uma cifra (isto é, um padrão de comparação, que é fundado em um sistema de regras), e que funciona como sendo seu correlato estrutural – ao modo de uma gramática.

11. No caso das modalidades textuais de compreensão, não se supõe (ao menos, em geral) que as condições de verdade (enquanto relativa a uma ordem de fatos ou mesmo de classes de fatos) sejam requisitos da compreensão mesma: não é suposto nenhum conhecimento material de fato, como pressupostos para a validade de uma proposição ou enunciado em verdade, podemos estabelecer a diferenciação entre significados proposicionais e sentenciais, precisamente no nível da distinção entre o que é exigido para que aceitemos a validade de uma proposição, na perspectiva das inferencias, e das sentenças, no plano do entendimento textual: grosso modo, diríamos que a requisição de conhecimentos, no ultimo caso, diz respeito a condições que são internas à própria ordem do discurso e não a seus processos lógicos de implicação.

12. Quando falamos uma língua ou compreendemos alguém que se expressa verbalmente, o princípio no qual a expressão e o entendimento do discurso se manifestam não se reduz àqueles pelos quais identificamos a compreensão da relação entre fatos. Quando compreendemos uma língua, no modo como ela se exprime em uma ocorrência qualquer (no fato de que alguém nos diz alguma coisa), não há quaisquer fatos ligados à expressão que determinem nosso entendimento, mas um conjunto de mensagens cujos conteúdos estão determinados no modo como uma regra gramatical fixa a referência de uma ocorrência. Se o princípio da implicação é característico de nosso modo de conhecer fatos (através de mecanismos de implicação lógica), no caso da produção das aparências, estamos diante de um mecanismo produtor de sentidos textuais e sua compreensão é assunto de uma competência específica para este fim.

9. Pensemos agora em outras ordens de questões que são, a nosso ver, correlatas à compreensão de sentenças e palavras: quando consideramos os modos como os indivíduos interagem em sociedade, percebemos que um outro tipo de problemas irrompe como característico de uma concepção da realidade ligada aos mecanismos de compreensão. Do mesmo modo que a consciência acerca da realidade exterior, o comportamento social também não é um conjunto de fatos que possam ser analisados como se constituíssem fenômenos isolados, pois formam um verdadeiro sistema das ações que os indivíduos conduzem em contexto social, e que se estabelece como uma espécie de maquinaria para a produção de simulações.

10. Apenas a título de exemplo, pensemos em um caso mais do que exemplar da produção social das aparências, a saber, o jogo da sedução amorosa (que tem correlações estruturais com todo ato retórico de persuasão): quando desejamos impressionar alguém, procuramos muito simplesmente produzir uma imagem de nós mesmos para os outros, levando em conta todo um “pacote sensorial” (um conjunto de informações sobre como nos apresentamos, como nos vestimos, que gostos temos, como andamos, nos sentamos, como falamos, numa lista sem fim daquilo que supomos serem nossos atributos mais importantes), e que apresentamos como parte de uma identidade que queremos fazer crer ao outro como sendo a “nossa”.

11. Certos ramos da psicologia social, fala-se na idéia de uma dramatização através da qual os indivíduos exprimem seu modo de se inscrever na vida social (e, por conseqüência, buscar a aprovação de seus semelhantes). Estas formas ou “técnicas” ligadas a nosso modo de apresentação social funcionam em uma estrutura que é necessariamente dúplice: de um lado, eles são um conjunto de coisas que fazemos para produzir uma imagem de nós mesmos para o outro (neste sentido, o processo pode ser abordado na perspectiva de sua dimensão produtiva, em seu aspecto de atividade daquele que lança mãos destes recursos); de outro lado, entretanto (o mais importante, na consideração de sua dependência com as modalidades da compreensão), estas formas de simulação prevêm, por assim dizer, uma instância de sua decifração, no nível da recepção destes sinais.

12. Se assim não fosse, todo este conjunto de ações se perderia no nível de uma pura produção das aparências, mas sem qualquer efeito: sem que elas repercutam sobre uma recepção que seja capaz de identificar as informações expressas com o pacote de valores que identifica o sujeito de algum modo, estas ações se perderiam no vazio.

13. Cenas de “Elementary Dating”, em Mr. Bean, de Rowan Atkinson ().

Referências Bibliográficas:

Goffman, Erving. “Introdução”. In: A Representação do Eu na Vida Cotidiana;

Volli, Ugo. “Interpretação”. In: Manual de Semiótica.

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