Thursday, November 12, 2009

Notas de Aula: Signos e Inferência

Queridos,

Como prometido, seguem as notas das duas últimas sessões do curso, dedicadas à exposição sobre as relações entre a inferência e a compreesão dos signos.

Divirtam-se,

Benjamim

Semiótica - COM 102

Aula no 3: A Estrutura Elementar da Compreensão

3.2. Signos e Inferência: a dimensão semiósica do raciocínio dedutivo

1. Ao tomarmos em conta a questão dos signos, proposta nos termos de sua evocação na grande linha das disciplinas e dos problemas sob as quais esta noção veio a ser identificada, já percebemos que esta idéia se manifestou sob a forma de duas concepções principais sobre os fenômenos da compreensão e da interpretação, tomados como mutuamente irredutíveis: ou bem o signo se manifesta como questão ligada à pergunta sobre a estruturação formal do pensamento e do raciocínio discursivos, ou então como fenômeno característico dos modos de nos fazermos entender sobre nossas intenções ou propósitos, através dos meios pelos quais estes estados podem ser comunicados.

2. Enfim, estamos no domínios dos valores associados aos signos enquanto objetos de uma investigação sobre o espírito humano, seja do ponto de vista de sua compreensão enquanto “veículo lógico”, ou como propriedade do discurso intencional, da ordem do “querer dizer”, do propósito comunicacional: a definição de nossos modos mais elementares da compreensão, naquilo que demandam o papel essencial dos signos no interior das mesmas, implicam, por outro lado, duas das grandes escolas semióticas, constituídas no último século, em torno da influência da linguística de Saussure e da lógica semiótica de Peirce. Vejamos como é que o problema do conceito mesmo do signo se coloca para a semiótica, em cada um destes aspectos de sua evocação.

3. Identificamos em primeiro lugar as relações entre signo e inferência (pois nela é que exprime a propriedade de tomar o signo como elemento central de uma inteligência discursiva ou raciocinadora): já mencionamos aqui a longa tradição que tomou a problemática dos signos (sem mencioná-la como parte de uma disciplina posta à parte), como associada às questões que uma teoria do pensamento discursivo pareceu suscitar à filosofia. Não são poucos os comentadores (sobretudo os mais recentes) que recapitulam esta origem dos saberes semióticos, recobrando da interrogação sobre signos esta sua relação com uma teoria da discursividade.

4. E o que constituiria, em suma, o pensamento discursivo, como tal? O que significa incorporar a noção de discursividade à ordem do entendimento que temos daquilo que nos é exterior ou mesmo daquilo que se passa em nossa interioridade subjetiva? Em nosso modo próprio de explorar esta questão, nos valemos do que certos autores definem como sendo algo de essencial à noção mesma de “signo”, e que se deixa incorporar no modo próprio de sua definição, isto é, a idéia de que o signo caracteriza-se, nos dizeres de Roman Jakobson, como uma “relação de remetimento” (relation de renvoi). Assim sendo, o que caracteriza a discursividade como aspecto de nosso modo de pensar é que não nos detemos sobre os objetos individuais, mas sempre os restituímos a uma relação possível com outras ordens de coisas.

5. Ao concebermos, enfim, o pensamento como enraizado na noção de “discursividade”, estamos estabelecendo a dependência entre o que definimos como sendo um pensamento e o caráter de remissão que é próprio, por sua vez, à definição mesma do signo: nos termos em que Peirce define a importância de uma abordagem semiótica dos processos inferenciais, não há cogitação possível na ausência de signos, já que pensar é colocar o que está presente em relação com um ausente, como veremos logo a seguir.

6. Façamos uma breve digressão ilustrativa, para tentarmos vislumbrar com mais clareza o lugar do conceito de signo, no contexto das investigações sobre processos cognitivos e sua materialização em padrões discursivos: pensemos no caso exemplar da lógica dedutiva própria à atividade detetivesca, isto é, própria aos gêneros de raciocínio que visam estabelecer, com base no exame de fatos e no exercício de certas competências inferenciais, a ordem dos fatos que gerou um crime. Enfim, tentemos tomar em causa a prática detetivesca como cristalização de uma modalidade de semiótica que é própria ao modo pelo qual as vertentes lógicas desta disciplina colocaram em questão a noção do signo.

7. O exemplo da lógica detetivesca serve a dois propósitos iniciais de nossa exposição, a saber, falar do conceito de signo enquanto veículo lógico (tendo como caso exemplar, o conceito de signo em Peirce) e, mais tarde, o exame da predominância do que chamamos de “paradigma inidicário”, um fenômeno próprio a uma certa teoria do conhecimento: uma certa forma de epistemologia associada a um gênero de racionalidade que opera a partir dos vestígios, e que tem por objeto precisamente esta capacidade de restituição de um quadro de fenômenos, estabelecido a partir de um raciocínio feito em retrospecto (isto é, dos conseqüentes para os antecedentes, dos resultados para suas causas).

8. Para além disto, há o fato de que os elementos que esta forma de cogitação toma em causa são, no mais das vezes, detalhes, aspectos a princípio imperceptíveis a uma sensibilidade não treinada para trazê-los à luz, o que identifica as descobertas detetivescas com certos aspectos do diagnóstico clínico. De fato, a relação entre a clínica e a criminalística se propõe a alguns como a de uma linhagem do raciocínio feito a partir de signos indexicais, que é uma espécie de primeiro campo de provas de uma teoria semiótica.

Ginzburg, “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, pp. 143,151.

9. Tomemos agora em questão, para começar, o caso daquele que é por muitos reconhecido como o primeiro dos grandes detetives das narrativas literárias, o Dupin de Edgar Allan Poe (herói dos contos “Os Crimes da Rua Morgue” e “A Carta Roubada”): vejamos nele o modo como se articulam, na resolução de determinadas situações (como a solução de um crime ou a decifração do que se passa no interior de uma mente), a atitude analítica que preside a observação dos fatos positivos, os quadros de pressuposto que servem de norma ou de regra para seu enquadramento, e as soluções e conclusões a que se pode chegar, através destas cogitações. Ao descrevermos esta ordem na qual os fatos são interpretados, por uma mente analítica, introduzimos necessariamente o lugar dos signos na estrutura inferencial que é própria ao pensamento discursivo.

Poe, “Os Crimes da Rua Morgue”: pp. 86,87,88.

10. Afastado o fato de que a situação apresentada pelo conto de Poe tem aspectos de uma fantasia narrativa sobre o alcance e as capacidades de uma mente interrogadora, o que identificamos na economia intelectual que conduz Dupin a sondar a mente de seu companheiro, enquanto perambulam pela noite de Paris, não tem nada de excepcionalmente incompreensível ou mágico: trata-se de uma faculdade que nos é cognitivamente inerente, a saber, a de reportarmo-nos aos fatos, não tomando-os na condição de dados absolutamente individuais para nossa consciência (em algum momento anterior deste curso, dissemos que os objetos de nossa cognição não são absolutamente individuais porque não nos são abslutamente externos, isto é, não são independentes daquilo com o que podemos correlacioná-los, no repertório de nossas cognições anteriores).

11. A sagacidade cogitadora de Dupin é assim apenas a imagem (decerto hiperbólica) do modo como nos equipamos para falar de fatos aparentemente singulares: alguém a que conhecemos, com alguma intimidade, olha demoradamente para o chão; decerto, tem razões para tanto, mas em nossa mente não nos sossegamos em simplesmente constatar que algo se passa para este segundo; po-mo-nos imediatamente a conjecturar (e certos autores falam de um modelo conjectural inerente à interpretação de pistas detetivescas) sobre o que se passa com ele. E assim procedendo, pomos em jogo toda uma ordem de pressupostos que temos sobre o caráter deste objeto de nossa cogitação.

12. O que fazemos, no jargão que se tornou próprio da semiótica de Peirce, é tentar determinar o resultado (isto é, o significado deste fato particular, como conclusão de um raciocínio completo), a partir de sua regra (que se exprime como uma ordem dos pressupostos que nosso conhecimento da questão nos permite estabelecer como causas de seu comportamento) e do caso (isto é, o fato propriamente dito e observado).

Leitura Obrigatória:

Eco, Umberto. “Signo e inferência”. In: Semiótica e Filosofia da Linguagem;

Guinzburg, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciario”. In: Mitos, Emblemas, Sinais;

Volli, Ugo. “Interpretação”. In: Manual de Semiótica.

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