Tuesday, September 01, 2009

Quine falando sobre o que há

Queridos,

Como prometido, faço seguir aqui a primeira parte da entrevista de Quine a Bryan Magee, num longínquo dia qualquer dos anos 70 (é o que se depreende das vestimentas e do estilo do programa), na prestigosa BBC, e na qual Quine discorre sobre alguns problemas fundamentais da história da filosofia, e de como ele mesmo encara o modo como sua obra se endereça a algumas destas questões. Em primeiro lugar, as imagens do programa:


Em seguida, os pontos da exposição de Quine que nos interessam, na discussão sobre como se relacionam a significação e a existência: explorarei estes pontos, discriminando-os, passo a passo.

1. Em primeiro lugar, apresentando Quine como um dos grandes filósofos vivos do século XX (ao lado de Popper, Sartre e Chomsky, entre outros), Magee destaca o modo como certos problemas fundamentais da filosofia permanecem presentes na obra de um autor que desenvolveu (ao menos nas primeiras etapas de sua carreira) um estilo de tratamento para estas questões que pareceria excessivamente técnico, na perpsectiva de um leigo em assuntos filosóficos. Nestes termos, seria um privilégio, diz o entrevistador, poder interrogar a um eminente pensador nesta área, sobre como é que as questões básicas da filosofia se manifestam, mesmo a um pensador aparentemente tão hermético como Quine.

2. Perguntando sobre as tarefas centrais da filosofia, Quine então responde dizendo que ela é concernida como uma reflexão sobre a natureza das coisas ou, tomando uma expressão de Newton, com o "sistema do mundo": nestes termos, reconhece quem suponha com isto que a filosofia tenha um papel de orientar a atividade científica, crença esta que Quine considera um "sonho vazio"; ao invés de orientar o trabalho da ciência na resolução de seus problemas, a filosofia é contínua com este campo, recolhendo muitas de suas questões do modo como a ciência opera, sem contudo se reduzir a seus termos nem tampouco servir para ela de base ou fundamento.

3. Isto posto, resta saber quais são, efetivamente falando, as diferenças entre ciência e filosofia: para Quine, a resposta é a de que a ciência é um continuum, que se desenvolve, desde os setores mais conectados com a especificidade do mundo (a física, a engenharia, a medicina, a história, a geografia), até aqueles em que esta relação com a realidade vai se tornando cada vez mais abstrata e menos específica (como a filosofia e a matemática). Nestes termos, a filosofia e a ciência se distingüem na generalidade que própria à primeira e não à segunda.

4. Desta admissão é que decorrem os exemplos de Quine sobre o modo como a física assume de antemão o conceito de causa e seu compromisso existencial prévio, ao passo que o filósofo se pergunta precisamente sobre as condições que o conceito deve preencher, de modo a que se possa dizer de qual quer coisa ou relação que nelas opera algo chamado de causalidade (ou de relação consequencial). De tal maneira a diferença entre o físico e o filósofo se instala que Quine reitera que a filosofia se define pela abstração e generalidade com a qual trata problemas que a ciência explora na especificidade de sua manifestação (pensemos, apenas como ilustração sobre a diferença de abordagens entre ciência e filosofia, sobre que tipo de médico clinicaria, por exemplo, colocando em dúvida a metafísica do conceito de ser vivo, diante de um caso de um paciente em particular).

5. Destacando que a análise de questões sobre, por exemplo, "como a vida tem origem" ou "quando o universo começou" são problemas característicos de certos ramos da ciência, Quine manifesta assentimento com a sugestão de Magee de que a filosofia tem por tarefa examinar os conceitos fundamentais dos ramos nos quais se define a atividade humana: é nestes termos que Magge fala de uma investigação sobre o "tecido conectivo do pensamento", o substrato sobre o qual é possível pensar que a causa é uma relação entre coisas ou eventos, que a vida é um fenômeno definível através do reconhecimento de certas características do mundo, e que a identidade entre partes do mundo é um critério pelo qual definimos que alguma coisa, mui simplesmente, "é".

6. E aqui começamos a chegar no ponto pelo qual a fala de Quine ilustra o ponto em que nos debatemos neste início de curso: perguntado por Magee se as questões filosóficas poderiam ser resumidas, de alguma maneira, Quine agrupa estes problemas em duas vertentes principais, a saber, as questões ontológicas ("o que há", "o que é existir") e as questões epistemológicas ("o que podemos saber sobre o que há", "o que se pode dizer com sentido"). Necessário é destacar o quanto as questões epistemológicas requisitam uma considerável clarificação das questões metafíficas, em suma: o quanto as perguntas sobre o sentido dependem de uma absoluta nitidez com a qual estabelecemos a resposta aos problemas sobre a existência.

7. Daí em diante, Quine e Magee entram em questões mais detalhadas sobre como se pode formular a questão sobre o que há: em primeiro lugar, Quine reitera sua posição enquanto materialista, em termos ontológicos (ou seja, o que há é algo que antecede e, até mesmo excede aquilo que pensamos sobre a realidade), de modo a distinguir sua posição daquela que caracteriza o convencionalismo ou o idealismo (para a qual a realidade é integralmente um produto mental). O que Quine introduz ao debate é a necessidade de pensar os "tipos de objetos" sobre os quais falamos e os critérios de existência que lhe são próprios ou comuns (objetos físicos e objetos abstratos precisam ser analisados, no que respeita os modos de dizer que são alguma coisa). Isto posto, a exploração destes detalhes do argumento de Quine não nos interessam neste momento, razão pela qual deixarei de comentar estes aspectos.

Ad,

Benjamim

2 comments:

Aline said...

Oi prof. Benjamin,

Precisei fazer uma viagem por motivos pessoais, logo terei que me ausentar das suas próximas aulas.

att.,
Aline Schmidt

Aline said...
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