Tuesday, December 01, 2009

Função Sígnica e Significado

Semiótica - COM 102

5. Os Significados de significado

5.1.Signos e seus Objetos: a função sígníca e os conteúdos da semiose

1. Quando examinamos, na unidade anterior, a linha histórica da reflexão sobre o conceito de signo e as duas grandes vertentes de sua concepção, ao menos naquilo que concerne à apreensão dos sabers semióticos nas humanidades, certos aspectos deste percurso se destacam para nossa atenção: em primeiro lugar, a questão do desafio implicado na unificação do conceito mesmo de signo, dadas as diferenças nas quais a idéia de significação nos faz pensar, ora nos processos cognitivos (e na matriz inferencial da conjectura acerca de fatos), ora nos fenômenos associados ao entendimento textual (e nos fundamentos linguísticos dos processos comunicacionais).

2. A este título, Umberto Eco insiste na idéia da possibilidade desta unificação, especialmente destacando nos fenômenos semiósicos de várias espécies a dimensão pela qual os signos são sempre definidos como um “estar para” (diferenciando-se apenas no plano das estruturas desta remissão).

· Eco, “Signo e inferencia”: p. 24.

3. Segundo aspecto das teses sobre a unidade do objeto da semiótica, este pode ser identificado no modo mesmo como Saussure e Peirce definem o signo, e o modo como nesta definição se deixa entrever o caráter eminentemente relacional do conceito: assim, Saussure caracteriza o signo linguístico como a síntese de uma relação indissociável entre significante e significado, e de tal modo que sua unidade é menos da ordem de uma substância ou de uma coisa, mas da função pela qual a manifestação de um som exprime-se como funtivo de uma relação com a instância dos conceitos e idéias associados (o assim chamado significado).

4. Nada de muito distinto se dá, quando consideramos a concepção peirceana de semiose, e o modo como nela se encarna o signo, como unidade contraída de um fundamento (uma qualidade expressa daquilo que a mente destaca para cogitar), um objeto (a substância material e concreta de onde tal qualidade se depreende ou nela vai encontrar morada) e o interpretante (a função propriamente semiósica pela qual o aspecto e o objeto serao unidos, na base dos princípios pelos quais podem ser inferidos um do outro). Também aí o signo não se confunde com nenhuma de suas instâncias definidoras, não valendo portanto supor que haja algum outro princípio para sua definição, que não aquele pelo qual é a relação entre tais aspectos que lhe confere o valor pelo qual ele pode ser teoricamente entretido.

5. Pois bem, o que decorre de toda esta ordem de considerações sobre o conceito de signo? De um lado, devemos reconhecer que a unidade do signo não é a unidade de uma coisa, mas de uma relação (ninguém destacou este ponto com maior nitidez do que Hjelmslev): isto é, se nos perguntamos sobre o status ontológico de um signo, não buscamos entender que gênero de coisas assume uma tal realidade, pois muitas e variadas coisas podem ser signos, rigorosamente; o que constitui os signos como unidade própria a ser averiguada em seus modos de funcionamento, nos regimes da expressão e da compreensão que nos são supostamente próprios, é a função que se estabelece subrepticiamente (por convenção ou hábito mental) para as várias coisas ou idéias que inscrevemos à condição de signos (isto é, como motivos para nossas cogitações interpretativas). O que nos lança, de retorno à cláusula de Eco, pela qual a uniformidade dos vários sentidos de signo se estabelece no quid pro quo.

6. Sendo o próprio do signo este “estar para”, pelo qual certas coisas são interpeladas por nossos modos de compreender, emerge daí uma outra idéia essencial para a avaliação do conceito mesmo de signo: se o próprio do signo é o remetimento pelo qual as coisas se chamam umas às outras, no pensamento, então é digno que nos interroguemos sobre o caráter daquele ente (real ou racional) pelo qual dizemos que alguma coisa ou idéia funciona como signo. Em termos, já que não há signo sem que haja algo “para o qual” ele reporte seu próprio ser, há que se perguntar sobre a natureza mesma dos assim chamados “significados” e, mui especialmente, sobre sua importância para as teorias semióticas.

7. Antes de mais nada, devemos depurar um certo conjunto de assunções perigosamente implícitas que estão, em geral, associadas à idéia mesma de significado: em primeiro lugar, devemos reconhecer que este conceito não se separa do conceito mesmo de signo, mas liminarmente apenas de um dos funtivos que ele contrai para se definir enquanto relação; assim, o significado saussureano é aquela porção da função sígnica pela qual se distingüem os conteúdos mentais ou abstratos, relativamente àqueles que caracterizam a dimensão material ou acústica das funções sígnicas; do mesmo modo, em Peirce, o “interpretante” é um dos traços de caráter da função semiótica, que não pode ser confundida nem com os objetos, tampouco com as propriedades pelas quais este é trazido à compreensão. Em suma, do ponto de vista das teorias semióticas, os significados são termos constituintes da relação pela qual o signo é definido, e não entidades separadas dele.

8. A necessidade de conferir este valor de positividade aos significados fez com que a tradição filosófica tenha justamente padecido desta dificuldade de falar dos signos, confundindo a necessidade de defini-lo teoricamente (isto é, por referência aos modos pelos quais o funcionamento dos signos requer a remissão dos mesmos a esta “ordem das ausências”) com a obrigação de atribuir-lhe uma substância: não é assim casual que encontremos tantas vezes, no uso culto e também no uso ordinário do vocábulo “significado” esta confusão entre a instância de envio dos signos e o objeto de uma nomeação, enfim, a confusão entre significados e denotação. As implicações desta confusão serão um tópico de nossa exploração às vertentes lógicas do conceito de significado.

9. No último caso, estamos falando de uma estrutura na qual o que se supõe que os signos façam seja nomear coisas existentes, falar de objetos tão atuais quanto a materalidade com a qual os signos a expressam. Pois, quando ensinamos às crianças o que as palavras significam, não estamos necessariamente oferecendo uma resposta à questão filosófica sobre o significado (não estamos recolocando a questão do valor conceitual com o qual empregamos determinados sons para exprimir determinadas idéias), mas, em geral, apenas respondendo a uma questão que elas nos põem: “o que é isto?”; o valor desta questão é entretanto apenas factual, não tendo assim consequências propriamente teóricas. Quando nos perguntamos, por outro lado, qual é mesmo o caráter do “isto” pelo qual solicitamos um nome (uma espécie de “signo”), qual é mesmo o objeto deste demonstrativo, aí então, estamos no interior de uma pergunta sobre o real estatuto dos “significados”. Pois, por vezes, ao pensarmos sobre o que são “significados” (mesmo quando somos filósofos), confundimos a resposta a esta questão com aquela que fornecemos a nossos filhos, quando os introduzimo-los ao universo da linguagem.

10. No texto de Umberto Eco, esta ordem de problemas se põe para nós, de maneira mais nítida, quando nos interrogamos sobre os laços que supomos unirem, numa mesma plataforma, as questões do significado e da sinonímia: quando supomos que o significado seja uma espécie de “valor declarativo” do signo, como sendo da ordem dos conteúdos de uma proposição ou de uma mensagem, o sistema no qual supomos a validade desta definição é aquele das equivalências arbitrárias, isto é: dada uma definição do conteúdo associado ao signo (como na forma de um verbete de dicionário), supomos que o significado seja aquilo que esta definição enuncia ou afirma sobre o signo.

11. Com Eco, já vimos que, do ponto de vista de um esclarecimento sobre o estatuto ontológico dos significados, esta definição padece de circularidade, pois responde à questão sobre como reconhecemos signos presentes por remetê-los a entidades ausentes, recolocando as últimas em termos de figuras de significado fixas, repertoriadas na forma de um sistema semântico de dicionário, o que não é satisfatório, quando nos perguntamos, em seguida, sobre a determinação dos primitivos linguísticos que estão no lugar destas figuras. Deste modo, é evidente que o alcance extensional das figuras semânticas não pode coincidir com o valor de pura correspondência entre os primitivos linguísticos que a exprimem e o conteúdo declarado ao qual se remetem: é necessário considerar também o modo como toda uma ordem de implicações inferenciais pode determinar os conteúdos sígnicos.

• Eco, “Dicionário versus Enciclopédia”: pp. 79,80.

12. Vimos um pouco antes, que a questão do significado implica em uma distinção especial entre os objetos do remetimento sígnico e a ordem da referência: o texto de Eco faz claras menções a esta distinção necessária, quando tenta recobrar o fundo lógico e epistêmico da questão do significado, a partir da diferenciação entre o remetido e a referência (isto é, entre o caráter ontologicamente determinado do objeto dos signos – seu aspecto de coisa ou de entidade remetida - e o caráter funcionalmente determinado deste remetimento – isto é, o fato de que o significado é, como nos lembra Barthes, “relativo à significação e não à coisa significada”). Também na perspectiva lógica da semiótica, falar dos significados não é, assim, falar das coisas remetidas, mas das funções sob as quais se especifica esta remissão dos signos a uma realidade.

13. Esta questão tem um valor especial, quando consideramos, por exemplo, que o significado ou a referência de um signo não é da ordem de uma materialidade da existência de seus referentes, mas da mera possibilidade de sua postulação: assim sendo, ao falarmos do significado de uma expressão como “o décimo segundo planeta de nosso sistema solar” (ou “o corpo celeste mais distante da Terra”), não podemos supor que nossa compreensão da expressão dependa da capacidade de se determinar um valor estritamente individual de sua referência, isto é, que se possa fixar, na ordem das extensões do conceito de “planeta de nosso sistema solar”, um valor definido para sua asserção (pois sabemos que não há, dentre as coisas que cairiam sob este conceito, uma décima segunda entidade). Mas não estaria esta existência na ordem de uma “possibilidade” (firmável seja para a ciência astronômica seja para uma ficção científica)?

• Eco, “Dicionário versus Enciclopédia”: pp. 65,66.

14. A partir desta definição do caráter hipotético (ou possível) com o qual o problema dos significados se relaciona com o de uma determinação ontológica do remetimento sígnico (em termos, a relação entre ser objeto de um signo e ser alguma coisa de individual), Eco nos conduz ao problema do conceito de significado, na tradição de uma semântica lógica: quando Frege se interroga sobre a distinção entre o significado e a referência, por exemplo, ele estabelece, em primeiro lugar, que os objetos para os quais apontam um signo simples e uma expressão completa (uma proposição, por exemplo), ou seja, suas respectivas referências, são coisas muito diferentes; no último caso, trata-se de um valor de verdade ou extensão dos conceitos do predicado, e no primeiro, um sujeito de juízo (ou seja, algo sobre o que se pode dizer alguma coisa e não apenas algo que existe concretamente).

Leitura Obrigatória:

Barthes, Roland.. “Significado/significante”. In: Elementos de Semiologia;

Eco, Umberto. “Dicionário vs. enciclopédia”. In: Semiótica e Filosofia da Linguagem

Leituras para a próxima aula:

Frege, Gottlob. “Sobre sentido e referência”. In: Lógica e Filosofia da Linguagem

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